"Temos o direito de ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito de ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza". (Boaventura de Souza Santos)

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Definição de autismo está a ser revista e poderá reduzir número de diagnósticos

O autismo, uma perturbação do desenvolvimento que se manifesta normalmente durante a infância, passou de uma doença quase desconhecida a um “surto” de diagnósticos. Motivo que está a levar a Associação Americana de Psiquiatria a reformular a definição de autismo e de outras patologias do mesmo espectro. A mudança deverá traduzir-se numa redução do número de diagnósticos – o que segundo os especialistas pode ser um passo positivo. Porém, a ser assim os apoios escolares que dependem deste diagnóstico também ficariam em causa. Problemas na interação social, atrasos no desenvolvimento da linguagem, comportamentos repetitivos e adesão inflexível a rotinas são apenas alguns dos pontos que atualmente fazem parte dos critérios de diagnóstico do autismo ou de outras patologias do mesmo espectro. Mas a variedade de sintomas e formas de manifestação são tão diversas que o autismo ou outras perturbações mais ligeiras, como a Síndrome de Asperger, esbarram em dois problemas: ou não são reconhecidos pelos médicos ou são diagnosticados sem haver um quadro clínico que o justifique. As principais linhas orientadoras para a nova definição – que será concluída até final de 2012, no âmbito da quinta revisão do Manual Diagnóstico e Estatístico de Perturbações Mentais, que serve de referência mundial – foram apresentadas na quinta-feira num encontro da Associação Médica da Islândia e passam por abolir a palavra “autismo” ou “Asperger”, falando-se só em “perturbações do espectro do autismo”, refere o New York Times. O problema é que os critérios passam a ser mais apertados para separar o “pouco usual” de uma verdadeira “perturbação”, e as crianças têm obrigatoriamente de apresentar, por exemplo, dois comportamentos repetitivos (um dos estereótipos mais associados a este distúrbio mas que nem sempre estão presentes). Contactada pelo PÚBLICO, a pedopsiquiatra portuguesa Áurea de Ataíde, explica que, na prática clínica, existe desde “há muito o conceito de ‘perturbações do espectro do autismo’”. Há também, prossegue a mesma médica, dificuldades em distinguir as várias perturbações, “principalmente quando se trata de crianças muito pequenas”. Por isso, a redefinição do conceito – que irá demorar um ano – poderá vir a facilitar a vida dos médicos. Por outro lado, a especialista salienta que “a eterna dificuldade em Psiquiatria em estabelecer a linha entre o que é invulgar e o que é perturbação vem talvez ser acentuada pelo desaparecimento das diferentes categorias atualmente existentes, nomeadamente da Síndrome de Asperger, na qual se enquadram muitos dos casos em que as capacidades cognitivas, de linguagem e nível de funcionamento” são menos afetadas. Áurea de Ataíde defende, assim, que o mais importante é uma aposta num diagnóstico precoce bem feito e com a colaboração de pais e educadores para, se necessário, se poder começar uma intervenção especializada, da qual “depende a evolução e o prognóstico das alterações”. Mas alerta, também, que o trabalho deve ser cauteloso: “Não podemos esquecer que pode ser muito grave para uma família a realização ‘leviana’ de um diagnóstico como este, que tem um peso emocional, familiar e social importantíssimo”. Na sequência do encontro da Islândia, foi dado a conhecer um estudo da Universidade de Yale que estima que o número de pessoas que reúnem os critérios para um diagnóstico do espectro do autismo seja reduzido para metade, o que pode ter sérias implicações nos apoios sociais às famílias, em especial para as crianças em idade escolar. No caso concreto dos Estados Unidos, onde a maior parte da população depende de seguros privados de saúde, a mudança poderá ter impactos desastrosos nas famílias, que verão as suas apólices recusarem apoios a terapias de crianças com necessidades especiais mas sem o nome autismo. Atualmente, estima-se que naquele país uma em cada 100 crianças tem um diagnóstico do espectro do autismo. Catherine Lord, da Associação Americana de Psiquiatria, citada por diferentes jornais americanos, garantiu que o único objetivo é clarificar os casos e que ninguém deixará de ter ajudas. Áurea de Ataíde assegura que a situação em Portugal é muito diferente, por que existe um sistema público de saúde e de educação. A especialista concretiza que em Portugal não é necessário o nome “autismo” para conseguir que uma criança tenha apoio na escola e que consegue encaminhar, por exemplo, casos de défices de atenção, apesar de se assistir a alguma “estagnação” nos recursos disponíveis e haver “um longo caminho a percorrer”, sobretudo no que diz respeito a assimetrias nacionais. Uma opinião corroborada pela presidente do conselho executivo da Federação Portuguesa de Autismo, Isabel Cottinelli Telmo, que considera “necessária” a mudança do conceito de autismo, para não se cair em “diagnósticos empolados” quando se incluem “todas as pessoas excecionais ou com idiossincrasias por exemplo na Síndrome de Asperger”. Sobre a realidade portuguesa, a mesma responsável lamenta que não existam estudos epidemiológicos nacionais, mas acredita que os números são inferiores aos dos Estados Unidos. Para Isabel Cottinelli Telmo “o que interessa são as necessidades das pessoas, mais do que os rótulos”. (Romana Borja-Santos, in Público online, 2012/01/20)

quinta-feira, 1 de março de 2012

Cientistas identificam mais um gene relacionado com autismo | Saúde | Diário Digital

Cientistas identificam mais um gene relacionado com autismo | Saúde | Diário Digital

Investigadores do Centro de Estudos do Genoma Humano (CEGH) deram importantes passos para desvendar o mecanismo genético do transtorno do espectro autista – como é classificado actualmente o autismo.Os cientistas identificaram mais um dos diversos genes relacionados com o distúrbio comportamental, além de uma desordem genética que pode dar pistas para explicar a dificuldade que os autistas têm em interagir socialmente.

Os resultados foram apresentados na Escola São Paulo de Ciência Avançada: Avanços na Pesquisa e no Tratamento do Comportamento Autista, realizada no início de Janeiro na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

Ao estudar, nos últimos três anos, os cromossomas de cerca de 200 pacientes com autismo atendidos no CEGH, os cientistas brasileiros identificaram em três deles uma alteração de cromossomas do tipo translocação equilibrada, isto é, a troca entre segmentos cromossómicos sem aparente perda do material genético.

Num dos três pacientes, observou-se que essa translocação genética provocou o rompimento de um gene, chamado TRPC-6, que age num canal de cálcio no cérebro, controlando o funcionamento dos neurónios, em particular, das sinapses neuronais – a comunicação entre os neurónios.

Segundo Maria Rita dos Santos e Passos-Bueno, do Centro de Estudos de Genoma Humano da USP, os cientistas acreditam que, por causa desse desequilíbrio no rearranjo cromossómico dos pacientes com autismo, ele tenha uma menor quantidade dessa proteína TRPC-6, o que faz com que menos cálcio vá para os neurónios.

O resultado final dessa alteração genética seria um neurónio menos ramificado, que realiza menos sinapses [comunicação entre neurónios].

De acordo com a cientista, essa translocação genética, em que metade do gene TRPC-6, localizado no cromossoma 11, migrou para o 3, aniquilando a sua função, é muita rara e dificilmente é encontrada noutros pacientes com autismo.

Porém, a via de sinalização celular comprometida pela mutação de um gene relacionado com o autismo, como a observada no paciente atendido, pode ser comum a outras pessoas afectadas pelos distúrbios neurológicos. Noutros pacientes com autismo, diz a cientista, a mutação pode estar noutro gene desta mesma via de sinalização celular.


Segundo Passos-Bueno, alguns dos principais avanços no estudo do autismo nos últimos quatro anos foi a constatação de que o distúrbio neurológico está relacionado com mutações específicas num ou dois genes, que variam de um paciente para outro.

Os desafios para os próximos anos serão estudar as vias de sinalização celular envolvidas pelos genes relacionados com o autismo para que se possa tentar desenvolver alternativas de tratamento.

Outro desafio a ser superado será entender o funcionamento dos genes possivelmente relacionados com o autismo identificados pelo seu grupo no Centro de Estudos do Genoma Humano para testar o quão semelhantes são entre eles.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Experimento consegue reverter autismo clássico em células

Por Aline Naoe (colaborou Adriana Lima)
19/01/2012



Em 2010, a equipe do cientista brasileiro Alysson Muotri recebeu destaque internacional após a publicação de uma descoberta na capa da revista Cell. Muotri, professor da faculdade de medicina da Universidade da Califórnia, em San Diego, e seu grupo conseguiram produzir neurônios a partir de células de pessoas com autismo, identificar diferenças desses neurônios em relação a neurônios normais e, ainda, reverter o autismo dos neurônios, abrindo caminhos para o desenvolvimento de remédios para o tratamento desse distúrbio.

As células utilizadas nos experimentos eram de pacientes com Síndrome de Rett, uma forma mais grave de autismo. Recentemente, o grupo liderado por Muotri reproduziu o experimento e obteve os mesmo resultados utilizando células de pacientes com o autismo clássico, identificando fatores em comum entre os dois tipos de autismo. Os resultados estão em fase de revisão e devem ser publicados ainda neste ano.

Desta vez estudo conduzido envolveu crianças diagnosticadas com autismo clássico, pacientes do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP), na capital paulista. “Em um desses pacientes achamos um novo gene, o TRPC6, que nunca havia sido associado ao autismo”, afirma Muotri. Esse gene interage com o MECP2, o gene da Síndrome de Rett, revelando que tanto o autismo clássico como essa síndrome dividem as mesmas vias moleculares. “São dois tipos de autismo levando à mesma alteração celular e nós definimos qual a via molecular que causa isso”, completa.

Segundo Muotri, tanto o autismo clássico como a Síndrome de Rett apresentam como sintomas problemas sociais e de linguagem. Além disso, os neurônios desses dois tipos de autismo apresentam número reduzido de sinapses e número reduzido de espinhas neuronais, o que sugeria vias moleculares comuns, confirmadas pelo estudo. Drogas usadas ajustar o numero de sinapses em neurônios derivados de pacientes com a síndrome de Rett também funcionaram em alguns pacientes com autismo clássico. “Estamos num nível em que os experimentos precisam ser reproduzidos em humanos, em ensaios clínicos. Existem grupos que atuam nos EUA e Itália que já estão iniciando esses experimentos”, comenta o cientista. Segundo Muotri, esses pesquisadores já têm a intenção de realizar testes em crianças com outras síndromes além da de Rett.

As drogas utilizadas para a reversão do autismo nos neurônios, no entanto, ainda precisam ser aperfeiçoadas. “Essas drogas ainda não são específicas o suficiente. Além disso, são moléculas grandes, ou seja, não atravessam de maneira eficiente a barreira da membrana do cérebro, a penetração é muito baixa”, relata Muotri. Atualmente, o biólogo está buscando moléculas menores para esse tratamento, que venham a compor medicamentos com menos efeitos colaterais.

Muotri esteve no Brasil para participar da Escola São Paulo de Ciência Avançada: Avanços na Pesquisa e no Tratamento do Comportamento Autista, evento organizado pela UFSCar no início de janeiro, onde apresentou suas pesquisas sobre a genética do autismo. Essa abordagem ajuda a desmistificar a antiga ideia de que problemas como o autismo são causados pela falta de cuidado dos pais e que têm origem unicamente no ambiente.