"Temos o direito de ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito de ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza". (Boaventura de Souza Santos)

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Ritalina = Morfina

Ritalina = Morfina
AS CRIANÇAS ÍNDIGO E O PROCESSO DE ADAPTAÇÃO
Não é fácil ser uma criança Índigo. Também não é fácil ser pai ou professor de uma criança Índigo.
Nos anos 80, nos Estados Unidos, uma conhecida norte americana pertencente aos meios espirituais, de nome Nancy Ann Tappe, que utilizava a terapia da cor, começou a notar que as crianças tinham uma coloração azul violeta na camada mais exterior de suas auras (chama-se assim ao campo energético que se encontra ao redor do corpo humano), coisa que nunca havia visto antes. Intrigada, decidiu investigar mais profundamente e começou a reconhecer características comuns em todos estes pequenos seres:
Maior inteligência, maior energia, maior tendência para questões de espiritualidade. Tudo parecia ser maior nestes meninos os quais baptizou como crianças Índigo. Pouco tempo depois publicava Understanding your Life Through Color (Compreendendo a sua vida através da cor), um livro que se converteu no primeiro que abordava seriamente o tema das crianças Índigo e que lançou este termo, aos níveis de popularidade, que hoje tem em todo o mundo.
Entre as principais características das crianças Índigo estão, em linhas gerais, a sua realeza (um natural sentimento de quem tem o direito a estar cá), a necessidade de relacionar-se com outros seres, o seu jeito de liderar, a sua grande quantidade de energia, o seu natural sentido de justiça e de questionar padrões estabelecidos. É difícil para eles aceitar o conceito de autoridade propriamente dito, sobretudo quando este não está apoiado na coerência de quem ostenta ou reclama tal status. Quer dizer que, na maioria dos casos, estas crianças perceberão de imediato se você não é coerente entre o que diz e o que faz.
Por um lado, é certo que muitas destas características eram inevitáveis, tendo em conta que a sociedade se vai convertendo, cada vez mais depressa, num culminar de inovações técnicas e de informação a todo nível. A sociedade está-se transformando cada vez mais em tecnológica, conceitos como o computador, a Internet, a comunicação em tempo real, etc, que eram só sonhos há alguns anos, hoje são uma realidade. É natural então que as crianças nascidas hoje tenham uma maior empatia com todas estas coisas, pela simples razão de que estão nascendo neste meio ambiente carregado de influências tecnológicas.
Deste fármaco sabe-se que a Administração Federal de Regulamentação de Drogas (FDA) coloca o Metilfedinato na mesma classe de drogas que a morfina.
Até aí não é necessário aplicar o conceito de criança Índigo. No entanto, pergunta-se se todas as novas características desta sociedade da informação estão baseadas em valores verdadeiros? Não. Esta sociedade está cada dia mais e mais caótica. Criamos os nossos filhos como se preparássemos um futuro campeão de luta livre, mas com muita informação no cérebro, porque assumimos que esta sociedade se vai tornar cada vez mais selvagem, desumanizada, donde por selecção natural só os mais fortes, preparados, titulados, vão poder sobreviver e conseguir um bom posto de trabalho, um bom automóvel, um bom apartamento e um promissório futuro, porque pensamos que todas estas coisas nos trarão a felicidade. Estas crianças não encaixam nesses conceitos criados confusamente por todas as gerações precedentes, porque todas elas fundaram uma sociedade baseada em falsidades inumanas, não em valores.Está muito bem que hoje habituemos as crianças a manejar aparelhos como o computador e suas diversas ferramentas, questões muito na moda ultimamente em todos os sistemas educacionais, seguramente com a ideia de que o começar cedo com o uso destas coisas os vai preparar melhor para a vida, mais adiante. No entanto, é muito melhor tratar de equilibrar o imenso potencial mental e espiritual que cada uma destas crianças traz consigo, não dizendo com isto que tudo o anteriormente exposto não seja importante, mas em todo caso deve ser só complementar. E realmente a ciência e a tecnologia podem ser úteis ferramentas, mas não nos fazem mais felizes.
Outra característica muito importante que se deve ter em conta é que nem todas as crianças Índigo são iguais. Clamamos-lhes Índigo como uma maneira de reconhecê-las pelas suas qualidades e potencialidades psicológicas, mentais e espirituais mais desenvolvidas, mas não estão feitas em moldes. Este ponto é muito importante porque na medida em que soubermos “guiar” estes pequenos seres, e sublinho esta palavra, poderemos vê-los mais adiante aplicar na vida diária toda essa capacidade, que levam dentro deles. Se pelo contrário, eles não encontram adequado guia, todo esse potencial ficará adormecido e se converterão em futuros cidadãos, igualmente condicionados, como somos a maioria de nós.
Estes jovens, ao terem os dois hemisférios cerebrais mais dotados e inter conectados (o hemisfério esquerdo é o mental, lógico, racional, científico, enquanto que o direito é o intuitivo, artístico, espacial), podem ter, sobretudo na escola, verdadeiros curto-circuitos com as estruturas educativas tradicionais que se baseiam no trabalho exclusivo com um dos dois hemisférios. Então, costumam aborrecer-se terrivelmente, não desejam ir à escola, porque não a encontram atractiva e enriquecedora. Detestam fazer as tarefas na ordem em que “a professora diz”. E então, como consequência, são diagnosticados com Desordem de Déficit de Atenção ou com Hiperactividade. E começam aí os problemas.
Ultimamente ouve-se muito falar em falta de atenção ou défice de atenção e hiperactividade nas crianças de hoje. Uma atitude muito comum é tratar de solucionar estas questões com químicos como a famosa Ritalina (metilfenidato). “Deste fármaco sabe-se que a Administração Federal de Regulamentação de Drogas (FDA) coloca o Metilfedinato na mesma classe de drogas que a morfina e outros com aplicação médica legítima, mas com um alto potencial abusivo. Os efeitos colaterais (agitação, marcada ansiedade e tensão) dos psico-estimulantes são muito comuns, e muitos médicos recomendam diminuir, a pouco e pouco, a dose antes de interromper a medicação. A constatação dos efeitos a largo prazo e a medicação pediátrica está proibida por dilemas éticos e legais em relação a utilizar crianças como sujeitos de prova. A Administração Federal de Alimentos e Drogas etiquetou na Ritalina a seguinte advertencia: “não há ainda disponíveis, suficientes dados acerca da segurança e eficácia da utilização, a largo prazo, da Ritalina em crianças” (Carlos Oñates).
Isto mostra que nos Estados Unidos, onde se levam muito a sério assuntos relacionados com a saúde, tanto física, como mental, este ponto entrou como tema polémico, e confronta directamente todos aqueles que têm opinião de que, sobre nenhuma hipótese, se deve receitar esta droga a crianças e, os que têm opinião contrária.
Uma abordagem mais coerente e humana, no caso de um aparente problema de hiperactividade e/ou falta de atenção, seria analisar as possíveis causas deste tipo de atitudes na criança, o seu contexto familiar, o seu próprio processo de adaptação ao meio, a sua relação com os seus pais. Não podemos esquecer que as crianças vão sempre ter problemas de adaptação, por exemplo, com o seu meio educativo, porque ainda muitas escolas se baseiam em técnicas de memorização, técnicas que, à medida que passa o tempo, se revelam, cada vez más inconvenientes.
Por outro lado, estas crianças não só têm uma grande inteligência senão que as suas capacidades espirituais são por vezes maiores. Estão mais predispostas e abertas às questões do espírito. Não é difícil encontrar meninos pequenos que oram, repetem mantras ou participam encantados em cerimónias religiosas de todo tipo. Esta não é uma característica casual ou circunstancial. Estas crianças fazem as coisas porque são inspiradas do mais profundo do coração, porque o seu nível de consciência está em continua sintonia com as manifestações da espiritualidade mais elevada. Falamos de espiritualidade e não de religiosidade. Estas crianças não encontram diferença entre uma religião ou outra, todas estão bem enquanto o seu discurso e actuação estejam baseados em coerentes valores. Se o analisarmos friamente, podemos dar-nos conta que estas crianças, adequadamente orientadas, serão homens e mulheres mais íntegros e integrados, donde ciência e espiritualidade conviverão em perfeita harmonia.
Em conclusão, podemos dizer que não é simples ser uma criança Índigo. Também não é fácil ser pai ou professor de uma criança Índigo. Em linhas gerais abordaram-se as principais características destas novas crianças, e a chave para criá-las é o respeito, a atenção, o estar continuamente atento ás suas necessidades e, sobretudo, o amor. O processo de adaptação é, em realidade, algo mutuo, em constante mutação, dinâmico, é como fazer um curso de especialização sobre a mudança, que requer anos e que uma vez terminado já não tem possibilidade de emenda ou arranjo. Você sentirá continuamente que tudo aquilo que pensa saber, ou que nos ensinaram, não serve. Descobrirá com preocupação que deve aprender desde outra perspectiva a sua maneira de ver o mundo, a existência, a vida. Todo este esforço longo e, às vezes, um tanto difícil, terá os seus frutos quando veja que o seu pequeno “monstro” se converte numa criança feliz e você, sem querer, e graças ao amor que o move, se converte por sua vez, numa pessoa melhor.
A Consciência Índigo: Futuro Presente
Texto de Oswaldo Rocha Illescas, 2004, Fundación Indi-go Ecuador.
Traduzido por Fundação Casa Índigo

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Centro de Desenvolvimento Infantil Diferenças

http://aromasdeportugal.blogspot.com/2008/09/diferenas-centro-de-desenvolvimento.html

Especialistas britânicos contra prescrição de Ritalina a menores de cinco anos

Especialistas britânicos contra prescrição de Ritalina a menores de cinco anos
25.09.2008, Andrea Cunha Freitas
O psicofármaco, usado para casos de perturbações de atenção como a hiperactividade em crianças e jovens, é aconselhado apenas para casos extremos
Desta vez, os avisos vêm do Reino Unido. As novas linhas orientadoras ditadas pelo National Institute for Health and Clinical Excellence (NICE) referem que o conhecido medicamento chamado Ritalina (nome comercial do metilfenidato) usado para casos de défice de atenção e hiperactividade não deve "em caso algum" ser prescrito a menores de cinco anos e apenas deve ser usado por crianças mais velhas em último recurso. Em Portugal, os especialistas sublinham que a prescrição destes fármacos a crianças com menos de cinco anos abrange uma pequena minoria e situações muito especiais. As novas directivas britânicas neste campo foram divulgadas na edição de ontem do The Guardian. Segundo este diário, os especialistas defendem que antes de receitar Ritalina é preciso assegurar que todas as outras estratégias foram tentadas e falharam. Assim, fala-se numa aposta na formação de pais e professores para que aprendam a lidar com estas situações delicadas antes de simplesmente prescrever o medicamento que acalma a criança. Para a formação é proposto um programa de 12 semanas. O piscofármaco apenas deve ser usado nos casos mais graves e como último recurso, sublinham. Além disso, o uso destes medicamentos, diz o NICE, deve ser sempre acompanhado de apoio psicológico. A prescrição de medicamentos como a Ritalina sempre foi alvo de controvérsia e debate na comunidade científica. Ainda assim, há milhões de crianças em todo o mundo que parecem precisar desta medicação para resolver problemas de desatenção. Em Portugal, o problema deverá afectar entre 3 e 5 por cento da população escolar. "O manancial de experiência adquirido até hoje permite concluir que é um medicamento eficaz e seguro. Temos dados suficientes para concluir que a taxa de complicações a curto e longo prazo é muito baixa", referiu ao PÚBLICO o neuropediatra José Carlos Ferreira, especialista nesta área, admitindo que o fármaco pode produzir efeitos secundários já relatados como, por exemplo, palpitações e falta de apetite. "Há sempre muita vigilância nestas situações", nota. O pediatra Pedro Cabral acrescenta: "É prescrito a muito poucas crianças com menos de cinco anos e com cuidados especialíssimos", refere, notando que deve ser sempre investigada outra explicação para o problema como perturbações do espectro do autismo. Um estudo publicado hoje na revista Child and Adolescent Psychiatric refere que as crianças norte-americanas são três vezes mais alvo de prescrições de psicofármacos quando comparadas com as europeias. O artigo aponta para possíveis explicações relacionadas com as diferenças nas regras de prática clínica, com sistemas de classificação e diagnóstico distintos, bem como com questões culturais. "Um reflexo da mentalidade", referem os autores, que apontam para um aumento dos diagnósticos de perturbação bipolar nos EUA. A investigação levada a cabo nos EUA envolveu a Alemanha e a Holanda.

Jornal Público 25/09/2008

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Autismo em Meninas pode ser mais dificil de diagnosticar

Pesquisa diz que meninas apresentam menos sinais associados à doença. Comportamento pode fazer com que casos não sejam diagnosticados.Meninas com uma forma mais amena de autismo têm menos probabilidade de serem identificadas e diagnosticadas do que meninos, segundo uma nova pesquisa britânica.Segundo os pesquisadores, que apresentaram a pesquisa na reunião do Royal College of Psychiatrists, na Grã-Bretanha, as meninas mostram sintomas diferentes e menos sinais mais tradicionalmente associados com o autismo, como comportamento repetitivo.Os cientistas afirmaram que, devido a este problema, alguns casos de autismo em meninas podem acabar não diagnosticados.Quase 600 crianças participaram do estudo, 493 meninos e 100 meninas, todos com transtorno do espectro autista.A maioria, 457, tinha passado por consultas na Clínica de Distúrbios Sociais e de Comunicação no Hospital Great Ormond Street, de Londres.Os outros casos estudados foram encaminhados pela Clínica de Psiquiatria Infantil do Royal Hospital de Sunderland e da Clínica de Psiquiatria Infantil do Hospital Universitário de Tampere, na Finlândia.RelacionamentosTodas as crianças analisadas eram descritas como indivíduos cujos sintomas não eram totalmente relacionados com casos clássicos de autismo.Apesar de estas crianças ainda apresentarem dificuldades de socialização, comunicação e comportamento, seus sintomas eram menos rigorosos.E os pesquisadores concluíram que as diferenças na severidade do comportamento podem levar a uma tendência contra a identificação do problema em meninas.Com base na experiência clínica, os pesquisadores observaram que as meninas tinham mais probabilidade de ter interesses obsessivos centrados em pessoas e relacionamentos.Estes interesses podem ser mais bem aceites pelos pais e, por isso, não são relatados aos médicos.Estes tipos de obsessão também têm menos chances de ser descobertos com o uso de questionários padrão para o diagnóstico do problema.Os estudiosos afirmam que são necessárias mais pesquisas para analisar como o autismo se manifesta de forma diferente entre meninos e meninas.SociedadeJudith Gould, da Sociedade Britânica de Autismo, afirma que é possível que muitas meninas escondam melhor suas dificuldades para ficar de acordo com a sociedade."Características como timidez e sensibilidade muito alta, comuns em pessoas afectadas pelo autismo, algumas vezes são consideradas como traços tipicamente femininos", afirmou. "Mas, se um menino apresentar estas características, os pais poderão ficar preocupados."Para Gould, a forma como o autismo se apresenta em mulheres pode ser muito complexa. Muitas mulheres e meninas não são diagnosticadas.De acordo com o professor Simon Baron-Cohen, especialista em autismo da Universidade de Cambridge, são necessários mais estudos."Esta é uma questão clínica muito importante e existem poucos estudos tratando disso", afirmou. "Não deveríamos supor que autismo ou Síndrome de Asperger serão parecidos para ambos os sexos".In BBC Brasil

Autismo subdiagnosticado no sexo feminino

Meninas com autismo podem não estar a ser identificadas por não apresentarem os sintomas típicos da doença.Meninas com autismo podem não estar a ser identificadas por não apresentarem os sintomas típicos da doença, alerta um investigador inglês do National Center of Autism Studies. O número de rapazes diagnosticados é bastante superior ao de raparigas, mas os especialistas defendem que a diferença na incidência nos dois sexos pode não ser tão grande quanto se acreditava. Ao contrário dos rapazes, as meninas com autismo são mais passivas e tendem a recolher informação a partir das pessoas.

TRANSTORNOS DO ESPECTRO DO AUTISMO

TRANSTORNOS DO ESPECTRO DO AUTISMO
Palestra do dr. Christopher Gillberg, no dia 10 de outubro de 2005Auditório do InCor - em São Paulo
1. O Professor Christopher Gillberg é médico, PhD, Professor de Psiquiatria Infantil e do Adolescente nas Universidades de Gotemburgo (Suécia – Hospital Rainha Sílvia), de Strathclyde (Inglaterra – Hospital Yorkhill), de Londres e de Bergen.
2. Transtornos do espectro do autismo: visão geral
Características clínicas
Epidemiologia
Cromossomos e genes
Riscos ambientais
Fatores psico-sociais
Base cerebral
Prognóstico
Intervenções/Tratamento
O futuro
Muito obrigado por me convidar para falar sobre os Transtornos do Espectro do Autismo. Espero que vocês possam acompanhar minha fala (ele apresentou em Inglês sem tradução simultânea). Vou tentar ser o mais claro possível. Se vocês tiverem perguntas durante minha palestra, por favor sinalizem e perguntem. Ou, se preferirem, façam perguntas após a minha apresentação. Vou falar sobre uma série de aspectos do autismo, variando dos aspectos clínicos aos epidemiológicos, sobre fatores genéticos, ambientais e sobre bases cerebrais do autismo. Terminarei com as minhas esperanças para o futuro: a compreensão do autismo tem progredido muito nos últimos anos, o que aponta para um futuro promissor.
3. Características clínicas do Autismo
· Pelo menos 4 variantes clínicas do Transtorno do Espectro do Autismo (mônade, díade ou tríade de deficiências sociais)
· Transtorno autístico ou Autismo infantil (Síndrome de Kanner) – uma com regressão (20%) a outra sem regressão (80%)
· Transtorno de Asperger – Autismo de “Alto Funcionamento” (Síndrome de Asperger)
· Transtorno Desintegrativo da Infância (Síndrome de Heller)
· Transtorno Invasivo do Desenvolvimento Sem Outra Especificação (PDD-NOS)/ Autismo Atípico (outras condições com características semelhantes ao autismo)
· “Fenótipo amplo”: (Traços autísticos)
Há pelos menos 4 variantes clínicas do autismo. Freqüentemente estas variantes são descritas a partir da tríade de deficiências nas áreas social, de comunicação e de comportamento, mas está ficando cada vez mais difícil saber se todas as deficências que compõem a tríade realmente aparecem em conjunto em todos os casos. Há casos de problemas de comunicação social sem os problemas comportamentais, e há casos de problemas comportamentais sem os problemas de comunicação social, e estão crescendo as dificuldades em saber onde estão os limites do chamado “autismo”.
Mas as pessoas ainda aceitam quatro variantes clínicas de autismo: a primeira seria o transtorno autístico ou autismo infantil ou a variante que Leo Kanner descreveu nos anos 1940. Mesmo essa variante do autismo não é uma variante do autismo. É um transtorno ou tipo de problema que também pode ser subdividido em categorias. Então, por exemplo, algumas pessoas dividem o autismo em casos de baixo funcionamento, casos de funcionamento moderado e casos de alto funcionamento, e outras pessoas usam outras subdivisões. Mas o que é interessante é que os casos de autismo de alto funcionamento que estão sendo cada vez mais descritos na literatura e na prática clínica são provavelmente o mesmo transtorno descrito por Hans Asperger em 1944 em Viena. As evidências de que os casos de autismo de alto funcionamento seriam diferentes do que Hans Asperger descreveu são muito pequenas.
Eu gostaria de acentuar que chamar esse transtorno de autismo de alto funcionamento é inadequado, porque o termo sugere que o autismo é de alto funcionamento, que o autismo é leve, quando na verdade o que você está querendo denominar é uma pessoa de alto funcionamento com autismo. Então, essa pessoa pode ter um bom QI ou uma boa compreensão verbal ou uma boa expressão verbal, mas seu autismo é normalmente tão grave quanto o de uma pessoa descrita com autismo de baixo funcionamento. Então, por favor: usem alto funcionamento para a pessoa, não para o autismo, de maneira a permitir uma compreensão mais profunda de quão grave o autismo pode ser, mesmo para alguém com Síndrome de Asperger.
Há uma desordem muito, muito rara, descrita muito antes de Kanner e Asperger terem descrito as chamadas “síndromes”, que foi a descrita por Theodore Heller no início dos anos 1900, que agora é normalmente conhecida como Transtorno Desintegrativo da Infância. Essa desordem extremamente rara acontece quando há um desenvolvimento normal até os 3 ou 4 anos de idade e então acontece uma regressão, que algumas vezes se deve a desordens neurometabólicas subjacentes. Mas em nosso atual nível de compreensão das desordens neurometabólicas, não há boas pistas sobre quais são os mecanismos envolvidos na sua patogênese.
E então, finalmente, há o chamado autismo atípico, que também não é um bom termo, porque sugere que as pessoas são atípicas, não o autismo. Há pessoas com uma variante de autismo que não podem ser descritas claramente como portadoras de autismo clássico ou Síndrome de Asperger: há algumas características incomuns ou sintomas não usuais. Esses casos têm sido considerados como um Transtorno Invasivo de Desenvolvimento Sem Outra Especificação (em inglês PDD-NOS ou Pervasive Developmental Disorder Not Otherwise Specified) nos manuais diagnósticos e que é um termo ainda pior, porque dá a impressão que não há nada específico sobre esses sintomas, ou seja, essas pessoas têm algo parecido com um transtorno de desenvolvimento que invade a totalidade do desenvolvimento da sua personalidade. Mas isso normalmente não é verdadeiro nas pessoas que recebem esse diagnóstico. Na verdade elas têm uma desordem na área de comunicação social, mas não são globalmente transtornadas, ou seja, o termo não é apropriado. A adição de NOS (Sem outra especificação), particularmente, é na verdade uma designação errônea e, portanto, não usamos o termo PDD-NOS na maioria da Europa. Nós normalmente falamos sobre autismo atípico ou condições autísticas. Eles estão provavelmente no mesmo conjunto de transtornos, mas são levemente atípicos.
Cada vez mais se fala, nos estudos genéticos sobre autismo, sobre o fenótipo mais amplo, isto é, sobre características muito leves que podem ser vistas em irmãos e irmãs de crianças com autismo, que podem ser vistas também em pais ou em outros parentes dessas crianças. E esses traços muitas vezes podem ser, de certa maneira, mais uma vantagem do que um grande problema, como ser muito rigoroso, muito pedante, muito perfeccionista. Isto pode ser uma vantagem para fazer pesquisas, por exemplo, e provavelmente há mais gente com o fenótipo amplo do autismo nas comunidades de pesquisa científica, isto é, nas universidades. Simon Baron-Cohen, por exemplo, fez estudos sugerindo que os matemáticos têm, muito freqüentemente, traços autísticos, e alguns realmente se enquadram nos critérios de Síndrome de Asperger. Técnicos de computadores e pessoas ligadas à informática muito freqüentemente também estão no espectro amplo do autismo e infelizmente eles muitas vezes têm filhos com transtornos do espectro do autismo. Esse fenótipo autístico amplo, que vem sendo tão comentado, não está em nível de diagnóstico, não pode ser considerado uma deficiência nem precisa intervenções, mas é importante para entender o que está por trás do autismo.
4. Características clínicas: Autismo Infantil
· Início antes dos 3 anos de idade
· I. Comprometimento grave do desenvolvimento da interação social recíproca
· II.Comprometimento grave do desenvolvimento da comunicação recíproca, afetando os domínios
verbais e não-verbais
· III.Comprometimento grave do desenvolvimento da imaginação e da variabilidade do repertório
de comportamentos
Quais são as características clínicas do autismo? Bem, o que é aceito de maneira geral é que a ampla maioria dos casos começa a apresentar sintomas muito antes dos 3 anos de idade, a maioria tem problemas claros nos primeiros meses de vida, apesar de haver 1 em cada 3 casos que não apresentam grandes problemas antes dos 18, 20 a 24 meses de idade. Estes casos normalmente tiveram sim, na minha experiência, alguns problemas antes dessas idades. Mas é nesse momento que as pessoas começam a esperar que essas crianças progridam muito em relação ao desenvolvimento da linguagem e em relação ao interesse no seu entorno, e é quando as pessoas percebem que alguma coisa está acontecendo, por volta dos 18 meses, “porque ele costumava ser mais acessível, agora ele está tão ausente, etc.”, que as pessoas acabam achando que tudo começou aos 18 ou 20 meses.
Há casos de autismo que começam claramente por volta dos 18 a 24 meses de idade, mas esses casos normalmente estão associados tanto com epilepsia como com descargas epileptogênicas subjacentes no eletroencefalograma, e poderiam estar no espectro da Síndrome de Landau-Kleffner sobre a qual voltarei a falar.
Os três sintomas principais, que são uma espécie de marcadores para a presença do autismo, são: prejuízo grave do desenvolvimento de interações sociais recíprocas, prejuízo grave do desenvolvimento da comunicação - não só a linguagem falada, mas também expressões faciais, gestos, postura corporal, etc. E, finalmente, ocorre uma importante limitação da variabilidade de comportamentos, de modo que as pessoas com autismo não podem fazer muitas coisas. Eles não conseguem mudar seu padrão de comportamento de acordo com a situação social, sempre vão se comportar à sua maneira: serão sempre eles mesmos e não mudarão de acordo com as demandas sociais ou o ambiente social. Todos concordam que esses sintomas devem estar presentes para que um diagnóstico seja feito e que os problemas devem ser muito importantes.
No entanto, estudos recentes têm demonstrado que eles podem não acontecer em conjunto. Os sintomas sociais e de comunicação realmente acontecem em conjunto, mas o terceiro sintoma, a limitação do repertório de comportamentos pode não estar presente, mas ainda assim haver os problemas de comunicação e sociais, o que gera alguma preocupação sobre os limites do autismo, sobre o que é absolutamente específico sobre essa tríade de problemas. Há algo realmente específico sobre essa tríade ou na verdade a forma mais apropriada de considerá-los seria a de dois diferentes conjuntos de problemas que muitas vezes se sobrepõem, mas algumas vezes não. Voltarei a esse ponto daqui a pouco.
5. Características clínicas: Autismo infantil
I. Deficiência social
· Falha no contato visual nas interações sociais
· Falha no desenvolvimento de interações com crianças da mesma idade
· Falta de reciprocidade sócio-emocional
· Ausência de procura espontânea de compartilhamento prazer
Os sintomas observados de deficiência social nas crianças com autismo são: falham no uso de contato visual durante a interação social; são incapazes de estabelecer relacionamentos amistosos com colegas de acordo com sua idade e estágio de desenvolvimento; carecem da reciprocidade sócio-emocional que se espera no desenvolvimento das crianças; não tentam compartilhar espontaneamente suas experiências ou sensações ou prazeres. Por exemplo: se a criança está feliz com alguma coisa, se está realmente interessada em algo, ela não vem para outra pessoa e mostra aquilo (é como se elas não tivessem essa perspectiva). Elas não pensam sobre o ponto de vista de outras pessoas e então não compartilham e também não vêm buscar conforto ou aconchego – a maioria quando são muito pequenas.
6. Características clínicas: Autismo infantil
II. Deficiência na comunicação
· Ausência de linguagem falada
· Falha para manter conversação
· Discurso repetitivo, incluindo a ecolalia
· Ausência de brincadeiras sociais
Esses são os quatro sintomas da deficiência de comunicação. Apesar de haver crianças com autismo que não falam nada, isso é muito raro, quero dizer, a grande maioria das pessoas com autismo tem alguma linguagem e é bem provável que o autismo não tenha nada a ver com o desenvolvimento da linguagem ou da fala em si. As pessoas com autismo não são disfásicas: não têm um problema na produção de linguagem falada. Elas têm, sim, um problema de comunicação: não entendem, quando são pequenas, qual a função da linguagem e, portanto, falham em usar a linguagem para se comunicar. Mas a maioria dessas pessoas consegue falar algumas palavras ou compreende algumas palavras; mesmo aquelas classificadas como de baixo funcionamento, e que não falam, compreendem palavras faladas por outras pessoas, mas somente palavras como substantivos e verbos, não aquelas pequenas palavras que ligam as “peças” da língua. Nisso elas têm grandes dificuldades.
Mesmo que tenham, e algumas realmente têm, boas habilidades lingüísticas, não conseguem usar essa linguagem para conversação. Então podem falar e falar e falar sobre seus interesses especiais, por exemplo, mas não conseguem manter uma conversa com outra pessoa. Sempre que for conversar com elas, o interlocutor precisa ser uma espécie de combustível para a conversa, senão não haverá novas informações ou questões, exceto quando estão perguntando repetidamente as mesmas questões e só perguntam porque já sabem a resposta para elas. Elas não entendem de verdade o sentido de fazer perguntas, que é conseguir novas informações de outras pessoas. Pensam que fazer perguntas serve para que as outras pessoas dêem a resposta certa. Então, podem fazer perguntas do tipo: “Quando você vai embora?”, “Quando ela vai chegar?”, etc. mesmo sabendo a resposta. E daí você pensa “Porque ela está fazendo essa pergunta o tempo todo quando de fato ela sabe a resposta?”. Bem, isso que é tão típico no autismo: eles só fazem perguntas se eles sabem a resposta. Não entendem que o que motiva a questão é a necessidade de uma nova informação e, portanto, não fazem perguntas do tipo “O que vai acontecer hoje à tarde?” se não sabem o que é. Só se eles souberem o que vai acontecer é que eles perguntam.
As pessoas com autismo têm uma fala muito repetitiva, incluindo enormes quantidades de ecolalia. Repetirão o que ouviram pessoas falando e pode, algumas vezes, no grupo de alto funcionamento, ser muito difícil entender se é realmente ecolalia, pois soa muito apropriado, exatamente o que deveria ser dito naquela situação. Mas alguém que conheça bem a pessoa notará que são exatamente as mesmas palavras e exatamente a mesma frase que ela usou ontem ou centenas de vezes na sua vida em situações semelhantes. Soa apropriado, mas não é apropriado porque não pode ser mudado. É o mesmo tipo de coisa que ele ouviu alguém dizer na mesma situação.
Finalmente, há a brincadeira social, elas não brincam socialmente com as coisas ou com pessoas. Brincam com seus carrinhos ou bonecas e água e areia, mas não o fazem na forma social. Podem se concentrar em fazer alguma coisa, mesmo junto com outras crianças. Podem sentar-se junto com outras crianças e fazer as mesmas coisas, mas normalmente não vão interagir a partir disso.
7. Características clínicas: Autismo infantil
III. Deficiências de comportamento
· Preocupação circunscrita a um interesse especial
· Dependência compulsiva de rotinas
· Estereotipias motoras
· Preocupação com partes de objetos
As pessoas com autismo podem ter sua atenção circunscrita a um interesse especial ou ficar compulsivamente ligadas a determinadas rotinas, e necessitam que aquela rotina seja seguida no mesmo horário do dia, exatamente no mesmo local e com as mesmas pessoas. Não conseguem escovar os dentes, por exemplo, a não ser naquele determinado banheiro. Em outro banheiro não seriam capazes de fazê-lo porque nunca fizeram antes naquele outro banheiro. Podem ter alguns comportamentos motores estereotipados que variam de agitar os dedos ou abanar as mãos (flapping). Esse tipo de “flapping” não é visto em muitas outras condições médicas, apesar de que bebês bem pequenos, por volta de seis, sete, oito meses, quando estão muito empolgados, possam fazê-lo. Mas para as pessoas com autismo isso continua sendo feito por muitos anos. Mesmo uma criança com autismo de alto funcionamento poderá apresentar esse comportamento quando ficar muito empolgada. Quando sabem que não deveriam ou que outras pessoas tenham dito “não faça isso”, passam a fazer outras coisas, como contrair os músculos excessivamente. Esse tipo de “flapping” e agitação dos dedos (“flicking”) são muito típicos. Eles também são preocupados com partes dos objetos, ficando totalmente obcecados com determinados aspectos, como a roda de um carro de brinquedo ou um pequeno detalhe de um livro ou uma cor ou um pequeno pedaço de plástico ou alguma coisa do tipo.
8. Características clínicas: Autismo infantil (DSM-IV e CID-10)
· Algoritmo para diagnóstico de Autismo infantil
· Pelo menos 2 sintomas de I (Deficiência Social)
· Pelo menos 1 sintoma de II (Deficiência na Comunicação)
· Pelo menos 1 sintoma de III (Deficiência de Comportamento)

Para conseguir um diagnóstico de autismo é necessário haver sintomas nesses três domínios: pelo menos dois sintomas dos aspectos sociais, pelo menos um de comunicação e pelos menos um de comportamento, com um total de seis desses sintomas. E ainda mais importante: essa pessoa precisa ser extremamente prejudicada por esses sintomas ou esses sintomas precisam ser extremamente incapacitantes para que o diagnóstico possa ser feito. Algumas pessoas realmente têm problemas similares leves, mas pode-se dizer que elas não “cruzam” a linha do diagnóstico, porque não são gravemente incapacitadas por esses problemas.

9. Características Clínicas: Autismo infantil (DSM-IV e CID-10)
· Tanto o DSM-IV como o CID-10 são problemáticos porque excluem e desaconselham o diagnóstico de outras condições coexistentes com o autismo (por exemplo: TDAH, Transtornos bipolar e psicótico)
· Desconsiderem esse critério!
Tanto o DSM-IV (Diagnosis and Statistical Manual of Mental Disorders – Manual de Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais – norte-americano) como o CID-10 (Classification of Diseases and Injuries – Classificação das Doenças e Injuries – Organização Mundial da Saúde), que são os manuais diagnósticos mais usados no campo, têm um problema que é excluir o diagnóstico de autismo se há qualquer outro tipo de problema, tal como déficit de atenção ou as chamadas psicoses ou desordem bipolar. Eu gostaria de solicitar que este critério seja completamente desconsiderado, porque vem sendo demonstrado em todos os estudos que analisaram esse aspecto que, ao contrário de ocorrer isoladamente, o autismo está sempre associado a outras coisas. Então, se alguém tem autismo, sempre tem alguma outra coisa. Pode ser algum transtorno cognitivo, como retardo mental, ou epilepsia ou problemas de hiperatividade e desordem de atenção ou depressão ou um problema visual ou auditivo. Não há uma criança com autismo que tenha somente autismo. O autismo é sempre um sinal de que se deve procurar por outras coisas e nunca uma coisa isolada. Por exemplo, 1 em cada 3 casos de autismo está associado à epilepsia, mas Kanner, na sua primeira publicação, disse que o autismo não tinha nada a ver com o cérebro, que não havia nada de errado com o cérebro dessas crianças e ainda assim dois dos seus onze primeiros casos tinham epilepsia. E esse é apenas um exemplo de como as pessoas compreenderam mal o autismo por um longo tempo.
10. Características clínicas: Síndrome de Asperger
· De acordo com os critérios do CID-10 e do DSM-IV(1993,1994) a Síndrome de Asperger não existiria ou seria tão rara a ponto de não ter significância clínica (Leekam et al 2000)
· Gillberg (1988) e Szatmari (1989) desenvolveram critérios dignósticos baseados nas descrições do próprio Asperger
· Todos os casos de Síndrome de Asperger e autismo fazem parte do mesmo espectro?
11. Características clínicas: Síndrome de Asperger
· A Síndrome de Asperger, de acordo com o CID-10/DSM-IV não é nada além de autismo sem o critério II (Deficiência de Comunicação) e uma garantia de que tudo estava bem até os 3 anos de idade
· Isso não é coerente com o que mostram a experiência clínica e as pesquisas científicas
· Os casos descritos pelo prórpio Asperger não atingiriam os critérios para a Síndrome de Asperger segundo CID-10/DSM-IV
A Síndrome de Asperger é muito mais problemática do ponto de vista do diagnóstico, atualmente, que o autismo, porque ainda não há um acordo generalizado de quais critérios devem ser usados para fazer esse diagnóstico. E tem havido muitos estudos mostrando que os critérios publicados no DSM-IV e no CID-10 não são adequados, porque, primeiro, não há crianças que alcancem esses níveis de critérios diagnósticos. O CID-10 e o DSM-IV dizem que a criança deve ter tido um desenvolvimento normal até os 3 anos de idade. Isso não é adequado, porque a grande maioria das crianças com a chamada “Síndrome de Asperger” ou com a apresentação clínica do que chamamos de Síndrome de Asperger teve alguma coisa estranha ou incomum no seu desenvolvimento nos seus três primeiros anos de vida.
Lorna Wing e eu fizemos um estudo em Londres há cinco anos, no qual mostramos que entre 200 pessoas encaminhadas com suspeita de autismo ou Sindrome de Asperger, somente 3 puderam ser” “espremidas” dentro da categoria de desenvolvimento normal nos primeiros 3 anos de vida e que somente 3 casos atingiriam os critérios do CID-10 para Síndrome de Asperger. Mas conseguimos isso realmente fazendo força! Mas de nenhuma maneira é possível encontrar pessoas que estão dentro do espectro do autismo, e tiveram desenvolvimento perfeitamente normal nos 3 primeiros anos de vida. Somente aqueles casos raros de Transtorno Desintegrativo da Infância, onde pode ocorrer desenvolvimento normal nessa fase, mas cuja ocorrência é 1 para 100.000.
Nós publicamos o primeiro conjunto de critérios diagnósticos para Síndrome de Asperger em 1988. Asperger não publicou nenhum critério, só os históricos dos seus casos e listou todos os sintomas de todos os pacientes e então tentou encontrar o que era comum em todos eles e conseguiu uma lista de seis grupos de sintomas que lhes mostrarei em um instante.
Atualmente existe uma preocupação em localizar os limites entre autismo e Síndrome de Asperger e entre Asperger e outras coisas, e também se o autismo e a Síndrome de Asperger são sempre manifestações de transtornos do espectro do autismo. Será que estas duas condições estão sempre interligadas? A maioria das pessoas pensa que sim, mas há alguns grupos que parecem considerar que pode ser que eles nem sempre pertençam ao mesmo grupo de transtornos. Muito interessante é que os próprios casos de Hans Asperger não atendem aos critérios do CID -10 e do DSM-IV para Síndrome de Asperger. Isso foi mostrado em estudos cegos onde pessoas que desconheciam quem tinha descrito os casos foram apresentadas às histórias dos casos de Asperger. Não sabiam que eram as descrições do Asperger e foram solicitados (psiquiatras e psicólogos) a diagnosticar aqueles casos de acordo com o DSM-IV e o CID-10. Nenhum dos casos de Asperger acabou sendo diagnosticado como Asperger, o que eu penso que contesta de maneira muito forte o uso desses critérios.
12. Características clínicas: Síndrome de Asperger
· De acordo com Gillberg & Gillberg (1989 e 1991), baseado nas descrições originais de Asperger:
· I. Comprometimento social – egocentrismo extremo
· II. Padrões restritos de interesse
· III. Rotinas e rituais
· IV. Peculiaridades de discurso e linguagem
· V. Problemas na comunicação não-verbal
· VI. Desajeitamento motor (É bem difícil traduzir clumsiness. Apesar do termo informal, eu traduziria esse tópico assim: “Falta de coordenação motora – pessoa ‘desengonçada’”)
Esses são os 6 sintomas que listamos em 1988 para conseguir um retrato clínico do que é a Síndrome de Asperger. Deve haver uma deficiência social muito grave, dominada pelo que poderíamos chamar de extremos de egocentrismo. Nós todos somos egocêntricos, mas essas crianças são extremamente egocêntricas. Elas têm essa incapacidade de realmente refletir sobre o ponto de vista das outras pessoas e é necessária muita firmeza para que reflitam sobre o que as outras pessoas estão pensando. Provavelmente, quando são muito jovens, elas não têm capacidade nenhuma de empatizar com os pontos de vista de outras pessoas.
13. Características clínicas: Síndrome de Asperger – social
· Ausência de amigos
· Pouca preocupação em ter amigos durante a infância
· Inadequação social e emocional
· Pouca empatia, a não ser que se explique que ele deve se envolver
- Pelo menos 2 das características acima
Esses são os sintomas sociais normalmente associados com a Síndrome de Asperger: as crianças não têm amigos antes dos dez anos, preocupam-se muito pouco em ter amigos nessa fase, mas podem ficar muito mais preocupadas à medida que crescem, quando entendem que se espera que as pessoas tenham contatos sociais e amigos. E ficam preocupadas porque se preocupam muito mais com normalidade que a maioria das pessoas. Elas querem ser normais por um lado. Por outro lado, quando alguém lhes conta o que é a normalidade, não querem ser daquele jeito porque lhes parece muito chato. “Você realmente tem que estar com outras pessoas tanto assim e conversar e estar interessado nelas, etc.?”
São muito inadequadas social e emocionalmente e mostram muito pouca empatia, a não ser que lhes mostrem que precisam ficar preocupados. Mas isso muda à medida que crescem. Então, muitas das crianças com Síndrome de Asperger, quando estão na adolescência, realmente têm algumas habilidades de empatia, mas não tiveram desde muito pequenas aquela espécie de treino de interação que as outras crianças tiveram desde o começo da vida. Então podem chegar a ter boas habilidades de empatia do ponto de vista cognitivo, mas não as usam de maneira intuitiva e muito rápida. E em uma interação social você precisa fazer assim. Não é habitual voltar depois da interação social e dizer para as pessoas: “Bem,depois de ter pensado, agora eu realmente entendi sobre o que vocês estavam falando e sentindo”. Isso até pode ser feito, mas a maioria das pessoas vai pensar “que estranho, por que não me demonstrou isso no momento em que estávamos interagindo?” – por que nunca foi treinada, quando era bem pequena, para fazê-lo rapidamente. Penso que essa é provavelmente a razão de, mesmo tendo boas habilidades de empatia quando são mais velhas, elas continuarem a não conseguir usá-las para interações rápidas e intuitivas.

14.Características clínicas: Síndrome de Asperger: interesses
· Exclusivos
· Padrões repetitivos
· Mais memorização mecânica do que compreensão no aprendizado
- Pelo menos 1 das características acima
As pessoas com Síndrome de Asperger sempre têm, de acordo com Asperger, um padrão muito restrito de interesses. Só se interessam por uma ou poucas coisas. Esses interesses podem mudar com o tempo. Alguns deles têm esses interesses muito restritos somente por umas duas semanas ou dois meses e então mudam completamente para outra área. Mas quando estão interessadas em determinado assunto, o interesse é muito intenso e elas têm que ter, por exemplo, toda a coleção daqueles discos ou tudo que tiver a ver com aquele interesse. E então de repente mudam e querem algo diferente. Mas outras pessoas permanecem com o mesmo padrão de interesses por toda a vida. Interessam-se somente por Porcelanas Chinesas ou Revolução Francesa e isto pode começar com 3 ou 4 anos de idade e continuar pelo resto da vida.


15. Características clínicas: Síndrome de Asperger – Rotinas

· Impostas sobre ele mesmo
· Impostas sobre outros

- Pelo menos 1 das características acima

As pessoas com Síndrome de Asperger têm rotinas e rituais que você vê nos casos de autismo clássico também. As rotinas podem ser impostas a eles mesmos ou sobre outras pessoas, e normalmente a ambos, de forma que eles tenham que ter um conjunto específico de rotinas, as quais normalmente elas exigem também das outras pessoas ou podem começar com birras ou ficarem muito tristes.

16. Características clínicas: Síndrome de Asperger: fala
· Desenvolvimento atrasado
· Superficialmente perfeito
· Pedante
· Monótona ou anormal
· Dificuldade de compreensão, apesar da linguagem “perfeita”
- Pelo menos 3 das características acima

Têm peculiaridades no desenvolvimento da fala e de linguagem e podem falar um pouco mais tarde, especialmente se comparados com seus irmãos e irmãs. Mas muito freqüentemente sabem como falar e poderiam ter falado antes de terem realmente começado, e alguns deles começaram a ler antes de começar a falar. Isso não é muito incomum. Então, quando os pais disserem que a criança já lia bastante tempo antes de falar, isso normalmente é verdade e não deve ser duvidado. Aqui temos os sintomas típicos de problemas de linguagem. Elas têm uma linguagem e discurso superficial perfeitos, mas normalmente falam em tom monótono ou anormal. A prosódia pode ser muito monótona, ou podem falar em tom muito alto. Alguns deles falam com voz muito aguda e soam muito estranhos e outros podem falar em voz muito grave e também soar muito esquisito. Normalmente tem alguma coisa estranha com seu volume de voz, ou com o seu tom ou intensidade.

17. Características clínicas: Síndrome de Asperger: Não verbal
· Olhar anormal
· Linguagem corporal estranha
· Uso limitado da expressão facial
· Expressões faciais inadequadas
- Pelo menos 1 das características acima

Com respeito aos problemas de comunicação não verbal, Asperger salientou bastante o olhar anormal, a maneira que algumas dessas crianças fixam o olhar no rosto do interlocutor: não nos seus olhos e vizinhanças, mas normalmente na porção inferior da face. Mas eles olham muito fixamente e o interlocutor pensa: “hummm, não gosto disso”, mas eles não querem provocar essa reação. E sempre fazem isso, da mesma maneira: podem olhar fixamente, olhar só para uma região do rosto ou podem ter aquele olhar arregalado.

Elas têm problemas muito grandes de comunicação não verbal, não mostram através da face o que estão sentindo, não demonstram o que gostam. É uma espécie de cara de jogador de Pôquer. Alguns deles sorriem o tempo todo e podem parecer que estão sempre felizes, mas podem não estar; outros parecem cronicamente deprimidos, mas podem ser bem felizes; acontecem, então erros de diagnóstico porque aparentam outra coisa. Normalmente não mudam suas expressões faciais, usando muito pouco o seu rosto. Quando ficam mais velhos têm uma espécie de rosto “pouco usado” ou “sem uso”, parecem muito mais jovens. Quando são muito jovens parecem mais velhos que as outras crianças. Parecem uns pequenos professores assim que nascem ou depois de poucas semanas de vida, e então quando têm 50 parecem que tem 30 porque não usaram seu rosto. Não há rugas; muitos deles não fizeram realmente nada com seus rostos. Ou podem apresentar um olhar arregalado porque alguém os treinou para encarar ou olhar para o interlocutor. Isso não é necessariamente verdadeiro para todas as crianças com Síndrome de Asperger, mas é muito comum que elas tenham expressão facial muito limitada e que esta varie muito pouco de acordo com o que sentem ou o que acontece ao seu redor.

18. Características clínicas: Síndrome de Asperger – Desajeitamento
· História de desajeitamento motor (falta de coordenação motora – pessoa “desengonçada”)
· Documentado no exame neurológico
- Pelo menos 1 das características acima

As crianças com Síndrome de Asperger têm desajeitamento motor (são desengonçadas). Virtualmente todas elas têm alguma dificuldade motora. Podem ser muito boas em algum aspecto particular do funcionamento motor, mas considerando todas as funções motoras, falharão em uma série de testes. Podem ter ao mesmo tempo falta de coordenação motora grossa e falta de coordenação motora fina, mais freqüentemente falta de coordenação motora grossa. Então, quando andam, percebe-se alguma coisa estranha com seu jeito. Parecem ser desajeitadas mesmo quando têm excelentes habilidades motoras finas. A falta de coordenação motora normalmente é documentada pelo histórico da criança. Mas se o médico fizer um exame neurológico, verá que há alguns dos chamados sinais leves de dificuldades motoras ou um desajeitamento geral.

19. Características clínicas: Transtorno desintegrativo
· Começa aos 3 anos – muito raro

As características clínicas de Transtorno Desintegrativo são as mesmas de autismo. A diferença é que o desenvolvimento foi normal por 3 anos ou mais e então algo aconteceu - a causa poderia ser epilepsia, um transtorno neurometabólico adjacente ou algo que ainda não conhecemos no momento.


20. Características clínicas: Autismo atípico (PDD NOS)
· Sintomas similares, mas que alcançam os critérios para autismo infantil, síndrome de Asperger ou transtorno desintegrativo
· Provavelmente “diagnosticado em excesso” nos EUA
· Autismo atípico não é diagnosticado tão freqüentemente no Reino Unido como é o PDD NOS nos EUA?

A categoria PDD-NOS (Transtorno Invasivo do Desenvolvimento Sem outra Especificação) ou autismo atípico mostra características atípicas tanto em relação aos sintomas quanto em relação ao começo das manifestações. Eu acredito e muitas pessoas acreditam que essa categoria vem sendo diagnosticada em excesso nos Estados Unidos. Muitas crianças com alguma esquisitice ou um desenvolvimento levemente anormal com alguns problemas que precisam ser diagnosticados acabam recebendo esse rótulo. E é possível que o autismo atípico esteja subdiagnosticado no resto do mundo, e então hoje em dia muito poucos casos recebem outro diagnóstico que não autismo ou Síndrome de Asperger.


21. Epidemiologia
· Prevalência muito maior do que se acreditava no passado: Transtornos do Espectro Autístico em 1% da população geral, Transtorno Autístico em 0,2% da população, traços autísticos em 3,5% (!) da população.
· Associado com retardo mental em 15% dos casos (80% no transtorno autístico)
· Associado com epilepsia em 5 a 10% dos casos (35% no transtorno autístico)
· Transtornos médicos em 7 a 10% dos casos (25% em Transtorno autístico)
· Razão Sexo Masculino: Sexo Feminino desequilibrada: 2-4:1
· Alta incidência de deficiências visuais, auditivas e motoras (inclusive no nascimento)
· Ocorrência em irmãos aumentada; em gêmeos idênticos, muito mais aumentada para o Autismo clássico

Agora passaremos a um assunto muito controverso no momento, que é epidemiologia do autismo. Não havia controvérsias e era aceito de maneira geral e muito citado que havia 4 a 5 crianças com autismo em cada 10.000 ou 1 a 2 em cada 10.000, ou seja esse seria um problema muito raro, um transtorno extremamente raro. Sempre apareciam, quase por definição, os 4 a 5 casos em cada 10.000 crianças, porque haviam ocorrido 3 estudos – conseguem acreditar nisso? – 3 estudos que mostraram esses resultados. Depois disso aconteceram cerca de 50 estudos mostrando que esses dados não estão corretos. A taxa de autismo é muito mais alta. Mas foram necessários 30 anos para que esses estudos fossem aceitos de verdade e de maneira generalizada. Agora é aceito normalmente que o autismo atinge 0,2% da população em geral e, portanto, é 5 a 10 vezes mais comum do que se acreditava nos anos 1960 e 1970. Isso usando os critérios que mencionei.

Há cerca de 0,3 a 0,4% com Síndrome de Asperger e 0,3% com Autismo Atípico. Isso significa que o espectro do autismo atinge 0,7 a 1 % da população de crianças em geral. Mas características autísticas e características autísticas marcantes estão presentes em muito mais crianças durante o início do desenvolvimento e até o período da adolescência, de maneira que podemos dizer que vários pontos porcentuais das crianças têm algumas características autísticas. E é importante saber disso de maneira que, por um lado, não haja um excesso de diagnóstico de autismo naquela população. Mas isso também significa que quando as pessoas souberem mais sobre autismo e os seus sintomas, mais pessoas e mais crianças serão consideradas suspeitas. E, por isso, todos os pediatras, todos os neurologistas e psiquiatras infantis têm que saber que o autismo não é extremamente raro, que de fato muitas crianças podem levantar suspeitas de sofrerem de autismo e, portanto devem ter algum conhecimento sobre ele.

A variante Autismo Clássico está associada com retardo mental em cerca de 80% dos casos, mas considerando o espectro com um todo, isso é, incluindo Síndrome de Asperger e Autismo atípico, a taxa de retardo mental é de “somente” 15%, o que, é claro, é muito mais alto que a da população em geral. Ainda assim, a maioria das pessoas no espectro do autismo não tem QI abaixo de 70, o que é muito importante do ponto de vista do planejamento educacional. Mesmo que aqueles com transtornos de desenvolvimento e QI abaixo de 70 ainda estejam necessitando de mais educação especial, a maioria daqueles com QI acima de 70 também necessitam de vários tipos de métodos especiais de educação.

Considerando o espectro como um todo, o autismo está associado à epilepsia em 7 a 10% dos casos, mas em 35% dos casos de Autismo Clássico. Recentemente participamos de um estudo de follow-up com 30 a 40 crianças vistas nas décadas de 1960 e 1970 na nossa clínica e em amostras epidemiológicas que vimos antes e o que verificamos é que havia casos novos de epilepsia aparecendo após os vinte anos de idade em crianças diagnosticadas com autismo. No passado, as pessoas costumavam dizer que o autismo estaria associado com epilepsia somente durante a puberdade, mas isso não é verdade. Cerca de metade dos casos de epilepsia no autismo desenvolvem-se nos primeiros 5 anos de vida e somente cerca de 30 % dos casos desenvolvem-se durante a puberdade. E então há mais casos se desenvolvendo mesmo em adultos jovens. Então, infelizmente, o risco de epilepsia não desaparece durante a adolescência.

Em cerca de 7 a 10% dos casos, há um transtorno médico associado, como por exemplo a Síndrome do X Frágil ou Esclerose Tuberosa, considerando o espectro como um todo. Mas se você considerar somente os casos clássicos de autismo, você encontra esse transtorno em 1 a cada 4.

Há muito mais meninos sendo diagnosticados com autismo e Síndrome de Asperger do que meninas, e há mais meninos e homens com autismo e Síndrome de Asperger do que meninas e mulheres. Mas sabe-se agora que muitas meninas com essas condições não foram diagnosticadas corretamente. Não que elas não fossem comprometidas… Elas também têm problemas graves que acabam levando-as aos psiquiatras infantis ou pediatras ou neurologistas, mas acabam tendo outros diagnósticos: transtorno de personalidade, depressão e mutismo seletivo são diagnósticos costumeiros para meninas pequenas com autismo. Então, se o médico receber uma menina pequena, com menos de 5 anos, apresentando qualquer problema mais grave, deve sempre pensar “talvez seja autismo”, em vez de descartar a hipótese por ser muito raro em meninas

Há uma ocorrência muito alta de deficiências visuais, auditivas e motoras ao longo do espectro do autismo. Isso foi muito subestimado no passado. As pessoas diziam, se a criança parecia ter um problema visual, porque apertava muito os olhos para enxergar as coisas: “bem, é porque ele tem autismo”. Isso não é verdade. A maioria das crianças com autismo não faria isso se não tivesse um problema visual. Elas devem ser muito mais cuidadosamente checadas para esses tipos de problemas

E uma coisa muito interessante que vem sendo mostrada nos novos estudos sobre movimento, nos quais os pesquisadores acompanharam videotapes de crianças pequenas depois diagnosticadas com autismo, é que se pode notar já nos primeiros dias de vida alguma coisa incomum na sua expressão facial, nos seus movimentos. Há alguma coisa incomum, realmente, em quase todos os casos por volta dos 6 aos 8 meses de idade na maneira como eles se movem de trás para frente, por exemplo. Déficits motores, portanto, que no passado não eram considerados típicos do autismo, atualmente sabe-se que são muito comuns.

A taxa entre irmãos é muito aumentada. Esses são dados de estudos epidemiológicos. Um irmão ou irmã de uma pessoa com autismo, tem um risco de 4 a 5 % de ter autismo ou 15 a 20 % de ter um transtorno do espectro autístico.

22. Problemas psiquiátricos associados
· TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade)
· Tiques (inclusive síndrome de Tourette)
· DCD (Developmental Coordination Disorder – Transtorno do Desenvolvimento da Coordenação)
· Hiperlexia
· Depressão e ansiedade (embora talvez não sejam transtornos?)
· Transtorno bipolar
· Mutismo seletivo
· Transtornos alimentares
· Transtornos do sono
· Transtornos de personalidade
· Esquizofrenia/ catatonia

23.“Comorbidades”
· Sobreposição com DCD (Developmental Coordination Disorder – Transtorno do Desenvolvimento da Coordenação) e TDAH é considerável
· Crianças com DAMP (Deficits in Attention, Motor Control and Perception - Deficit de Atenção, Controle Motor e Percepção) grave (DCD- Developmental Coordination Disorder – Transtorno do Desenvolvimento da Coordenação) com TDAH grave normalmente têm traços autísticos marcantes
· A maioria das pessoas com Síndrome de Asperger tem características de TDAH
· Algumas crianças “começam” como TDAH e depois “tornam-se” Transtornos do espectro do autismo típicos
· Outros apresentam Transtornos do Espectro do Autismo quando pequenos e depois tem TDAH no seguimento
· TDAH e Transtornos do Espectro do Autismo ocorrem nas mesmas famílias


Essa lista é muito importante, eu acho, porque a maioria das pessoas não entendeu ainda, como mencionei antes, que há alguma coisa além do autismo quando alguém tem autismo. E esta lista traz algumas das coisas mais comuns a esperar, além de epilepsia, retardo mental, deficiências motoras e visuais. Deve-se pensar em TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade), em tiques porque alguns deles têm tiques terríveis além do diagnóstico de autismo, num extremo desajeitamento motor que alguns deles têm e pensar em como lidar com isso. Muitos são hiperléxicos, o que pode ser uma vantagem, mas também um problema, porque parecem ser excelentes leitores, lêem muito rápido. Com esses níveis muito altos de leitura, seria de se esperar que a compreensão estivesse no mesmo nível, mas algumas vezes eles não entendem nada do conteúdo do que leram.

Depressão e ansiedade também são muito comuns, mas eu não os classificaria como transtornos, porque a ansiedade, em particular, normalmente depende completamente do ambiente. Então, se o ambiente puder ser estruturado, se houver um ambiente calmo, onde todos saibam o que é esperado deles, etc. e se existirem alguns meios de se comunicar, como um sistema visual, normalmente os níveis de ansiedade caem drasticamente e este resultado não é o que seria esperado no caso de transtorno do pânico ou transtorno de ansiedade generalizada.

Alguns deles têm transtorno bipolar, alguns têm mutismo seletivo. Um grupo bem grande tem algum tipo de transtorno alimentar grave. E pelo outro lado, em anorexia nervosa, há um subgrupo com transtornos do espectro do autismo. Algumas daquelas meninas eram meninas com autismo, mas foram dignosticadas incorretamente. E então desenvolveram anorexia durante a adolescência e então todos disseram: “Bem, é porque ela tem anorexia que ela é tão isolada socialmente” – o que não é a causa verdadeira.

Transtornos de personalidade, infelizmente, são extremamente superdiagnosticados em jovens adultos com transtornos do espectro do autismo. E se não houve um diagnóstico correto de autismo ou Asperger quando criança, quando ficar adulto e tiver um problema e for a um psiquiatra, normalmente este dirá “isso é um transtorno de personalidade”. Ou até pior, dirá que é esquizofrenia – esquizofrenia incomum ou atípica – e começar a medicar – o que não ajuda em nada.


24. Genética
· Irmãos afetados em 3% - Autismo clássico (Transtorno Autístico)
· Irmãos afetados em 10 a 20% - Transtornos do Espectro Autístico
· Gêmeos não idênticos afetados em 0 a 3%
· Gêmeos idênticos afetados em 60 a 90% dos casos
· Todos esses achados referem-se a probandos com autismo clássico, não aos trasntornos do espectro
· Muitos genes agem em conjunto na maioria dos casos

Gêmeos não idênticos são afetados com a mesma freqüência que irmãos, mas gêmeos idênticos são afetados em 60 a 90% dos casos. Essa enorme diferença entre gêmeos idênticos e não idênticos deve significar, é claro, que há um grande componente genético no autismo. Mas também significa que não pode haver um gene principal, porque não seria consistente com esses achados. Para haver um só gene responsável, deveria ocorrer 50% de concordância em gêmeos dizigóticos e 100% em gêmeos monozigóticos (univitelinos), e não é isso o que os estudos mostram. Esse tipo de dados é encontrado quando há muitos genes envolvidos, provalvelmente mais de 10 genes, agindo em conjunto.

25.Genética
· Parentes de primeiro grau apresentam taxas aumentadas de transtornos afetivos, fobia social, fenômenos obsessivo-compulsivos, e sintomas do “fenótipo amplo”
· Parentes de primeiro grau também apresentam possivelmente taxas aumentadas de transtornos de aprendizado, inclusive retardo mental, dislexia e alteração específicas de linguagem.

Os estudos mais recentes de modelagem estatística sobre a genética do autismo realmente sugerem que há mais de 30 genes, possivelmente até 100 genes diferentes envolvidos no espectro do autismo. Parentes de primeiro grau também são mais afetados por fobia social, depressão, fenônemos obsessivos-compulsivos e, como já mencionei, o fenótipo autístico amplo. Mas possivelmente também são mais afetados por retardo mental, dislexia e alteração específica de linguagem. Talvez eu deva mencionar que alteração específica de linguagem provavelmente é um diagnóstico que vai desaparecer no futuro porque não existe isso, não é uma alteração específica.

Se houver comprometimento da linguagem falada por volta dos 2,5 anos de idade, isto é, se o desenvolvimento da linguagem estiver muito atrasado ou tardio, se não houver fala nenhuma ou somente algumas palavras com 2,5 anos, a probabilidade de que haja um problema importante de desenvolvimento aos 7 anos é de 70%: pode ser autismo, Síndrome de Asperger, TDAH, inteligência limítrofe, retardo mental. E então a especificidade de um comprometimento de linguagem falada que aparece cedo é muitíssimo duvidoso e usualmente é uma indicação de que existe algum problema de comunicação subjacente. A disfasia é muito rara em crianças e realmente só quando houver disfasia isolada deveria-se pensar em fala, comprometimento específico da linguagem. Então, qualquer criança com desenvolvimento tardio da linguagem aos 2,5 anos deve ser atentamente acompanhada, não somente por pessoas especializadas em linguagem, mas também por neurologistas e psiquiatras e especialistas em educação. Então, por favor: parem de pensar, com relação a crianças que não falem bem aos 2,5 anos: “isso vai passar, não será um problema”. A grande maioria terá problemas importantes mais tarde na vida e pode ser muito ajudada por intervenções precoces.

26.Genética
· Genes em certos cromossomos (por ex. 2,6,7,16,17,18,22 e X) podem ser importantes (escaneamento de genomas em pares de irmãos)
· Casos de translocação importantes
· Achados clínicos em determinadas síndromes como Tetrassomia parcial 15q, Angelman (15q), Esclerose Tuberosa (9q, 16p), X Frágil, Turner, Rett (X)


Há genes ligados ao autismo em muitos cromossomos, claramente importantes. Isso tem sido mostrado na varredura de genomas de autismo, mas até agora esses estudos têm sido incapazes de localizar exatamente quais genes estão envolvidos. Só sabemos que há genes em certos cromossomos muito provavelmente envolvidos na patogênese do autismo,
.
27. Genética
· Genes da Neuroligina no cromossomo X apresentam mutação em alguns casos (Jamain, Bougeron, Gillberg et al 2003, reproduzido por outros grupos)
· Genes da Neuroligina em outros cromossomos, inclusive o cromossomo 17 (Jamain et al 2003)
· Outros genes ligados ao desenvolvimento neurológico de acordo com estudos de “microarray” (Larsson, Dahl, Gillberg et al 2005)

Nós identificamos o primeiro gene que está claramente associado com autismo, o que foi publicado na Nature em 2003 (Nat Genet. 2003 May;34(1):27-9). As Neuroliginas são moléculas de adesão celular que atuam na sinapse neuronal e são codificadas por genes ativados cerca de 3 semanas depois da concepção e são muito importantes para a formação das sinapses. Alguns outros grupos estão agora reproduzindo esses achados. Esses genes são localizados no cromossomo X e o cromossomo X, é claro, está envolvido no autismo por causa da grande discrepância entre meninos e meninas. Mas há outros genes codificadores das neuroliginas tais como os do cromossomo 17.


28. Transtornos médicos associados
· Esclerose tuberosa, Síndrome do X Frágil, Tetrassomia parcial 15, Síndrome de Down, XYY, X0, Hipomelanose de Ito, variantes da Síndrome de Rett, Síndrome de Angelman, Síndrome de Williams, Associação CHARGE, Síndrome de Smith-Mageris, Síndrome de Smith-Lemli-Optz, deleção do braço curto do cromossoma 22 (CATCH 22), Síndrome Fetal Alcoólico, Retinopatia da Prematuridade, Embriopatia por Talidomida, Embriopatia por Valproato, Síndrome de Moebius, infecção por Herpes e Rubéola

Esta é uma lista de condições sobre as quais se deve pensar sempre que se tiver um diagnóstico de autismo. Esta é a razão pela qual nenhuma criança com autismo deve ser diagnosticada somente com base na sua avaliação psicológica ou educacional. Deve haver a avaliação médica de um especialista.


Isso não significa que serão necessários muitos exames diferentes, como neuro-imagens ou análise de DNA, mas precisa haver alguém que realmente conheça essas síndromes e que possa fazer uma avaliação clínica da criança e determinar “poderia ser um desses casos ou não?” E, é claro, para um bom neuropediatra ou neuropsiquiatra que conheça essas questões, normalmente não é um problema decidir “não, é muito pouco provável que seja esta ou aquela”. Mas mesmo um especialista, algumas vezes precisará de outros exames além dos neurológicos. Mas isso não pode ser deixado para um profissional não médico. E esse tem sido, eu penso, o grande problema com o autismo nos últimos 30 anos: este se tornou foco de psicólogos e educadores, que são absolutamente necessários na equipe de tratamento. Mas os médicos deixaram o autismo completamente de lado. É como se estivessem dizendo: “Não tem nada a ver com o cérebro, com a medicina, é um problema psicológico…”

29. Transtornos médicos associados
· Transtornos médicos conhecidos em 25% dos indivíduos no transtorno autístico propriamente dito (amostras não selecionadas) e 5% em Síndrome de Asperger
· Esses transtornos são genéticos, também afetam áreas de genes relacionadas ao autismo ou causam lesões cerebrais através de agressões diretas ou indiretas
· Taxa alta de fatores de riscos pré e peri-natais

Todos esses subgrupos de transtornos têm porcentagem muito alta de autismo e, algumas vezes, como em esclerose tuberosa, 50 a 60% dos casos antes dos 5 anos têm autismo. E então, se houver autismo, epilepsia ou retardo mental, a primeira coisa que você deve pensar é esclerose tuberosa, mesmo que não seja um problema comum. Síndrome de Down, por exemplo. Algumas pessoas parecem acreditar que a Síndrome de Down é uma garantia de que não haverá autismo. E, na verdade, todos os novos estudos mostram que 1 em 10 crianças com Down tem autismo muito grave e é muito importante que este seja diagnosticado.

Eu ressaltei a Embriopatia por Talidomida, porque é uma associação muito interessante. A embriopatia por talidomida está associada a uma taxa alta de autismo e somente naqueles casos que mostram anormalidades específicas nos olhos e nos membros. É possível datar o início do problema cerebral usando a talidomida como modelo. Essa associação mostra que o tipo de dano causado pela talidomida que também leva ao autismo sempre ocorre por volta de 3 semanas após concepção. Essa é a época que o tronco cerebral está se desenvolvendo e, portanto, tem sido um modelo para novas pesquisas sobre o tronco cerebral.

30. Síndrome de Rett e Transtornos do Espectro do Autismo
· Síndrome de Rett
- Uma variante da Síndrome de Rett onde a fala permanece preservada pode ser comportalmente indistinguível do autismo clássico em meninas pequenas
- Algumas meninas e meninos com o gene MecP2 têm “somente” autismo (mais freqüentemente variante “regressiva”)

A Síndrome de Rett infelizmente é considerada uma forma de autismo no DSM-IV e no CID 10, o que é totalmente inadequado. Ela é um dos transtornos médicos ao qual o autismo está associado, e é muito semelhante à Esclerose tuberosa e a Síndrome do X Frágil no sentido de que esse grande subgrupo tem características autísticas muito fortes. Mas isso não quer dizer que a Síndrome de Rett deve ser considerada uma variante clínica do autismo.

31. Síndrome de Landau-Kleffner/ Síndrome do Status Epiléptico durante o Sono Lento (ESES) e os Transtornos do Espectro do Autismo
· Síndrome de Landau-Kleffner e ESES
- desenvolvimento normal por 2 a 18(?) anos
- regressão repentina na compreensão da linguagem e perda total ou parcial da linguagem falada (“agnosia verbal auditiva”)
- habilidades visuais preservadas
- regressão do tipo autístico em muitos casos
- descarga epileptogênica no Eletroencefalograma/epilepsia

A Síndrome de Landau-Kleffner é extremamente importante porque não é tão rara como se pensava e ainda é, pelo menos na minha parte do mundo, muito freqüentemente confundida com autismo. Algumas crianças parecem desenvolver-se normalmente por alguns anos, no mínimo 2 e até 18 anos de idade, então aparecem com descarga epileptogênica no seu Eletroencefalograma. Além disso, perdem a capacidade de entender linguagem falada. Elas têm algo chamado agnosia verbal auditiva. Ao mesmo tempo começam a ter problemas comportamentais importantes – nem todos, porém. Alguns têm muito poucos problemas comportamentais, incluindo TDAH e autismo. Se não for feito um eletroencefalograma durante o sono, não haverá condições de se fazer esse diagnóstico e elas podem precisar de tratamento com corticosteróides, podem precisar inclusive de um tratamento cirúrgico precoce. Há também uma sobreposição com a Síndrome do Status Elétrico Epiléptico durante o sono lento que provavelmente é um espectro dentro da Síndrome de Landau-Kleffner.


32. Interações psico-sociais
· Os Transtornos do Espectro do Autismo não estão associados com classe social
· Não estão associados com condições psico-sociais precárias, no entanto, um “pseudo-autismo” está descrito para crianças expostas a situações de extrema precariedade das condições psico-sociais
· Melhora importante temporalmente restrita em boas condições psico-sociais
· “Links” com a imigração? “Link” indireto com fatores genéticos?

O Autismo não está associado à classe social. Isto é muito importante. Costumava-se dizer que autismo era a síndrome das classes superiores, somente de pais intelectuais, frios, etc. Não há nenhuma evidência que indique isso: o autismo também não está associado com alguma desvantagem psico-social. Existe um tipo de pseudo-autismo verificado em crianças criadas por instituições em condições extremamente precárias. Mas isso provavelmente é o efeito da disfunção cerebral causada pela extrema falta de estimulação e talvez pelos maltratos nos primeiros anos de vida. Os cérebros de crianças que apanham, são muito mal alimentadas e têm pouquíssimas oportunidades de interação humana realmente sofrem permanentemente.

Não sei se isto pode ser observado nesta parte do mundo, mas em outras partes do mundo, como África, Ásia, Escandinávia e Inglaterra, nós encontramos uma taxa muito mais alta de autismo em pessoas que chegaram de culturas muito diferentes e distantes. No começo, todos acreditavam que este fenômeno se deveria a fatores genéticos ou que poderia ser provocado por infecções virais na gravidez em mulheres que migraram de uma área para outra e não estariam imunizadas contra doenças associadas aos transtornos do espectro do autismo, como rubéola, por exemplo. Mas agora acreditamos que um dos fatores mais importantes nestas famílias é que homens com Síndrome de Asperger que não conseguem achar ninguém para casar ou ter um filho na sua própria cultura, acabam tendo filhos com pessoas de culturas distantes. Com a globalização, homens suecos que viajaram para o Sudeste Asiático, por exemplo, voltam com uma mulher completamente normal daquela parte do mundo e acabam tendo um filho com essa mulher. Quando esse filho desenvolve autismo, o que é na verdade um efeito do pai ter Síndrome de Asperger, ou seja, é uma herança genética do pai, acaba sendo explicado pela origem da mulher, ou autismo da imigração. Fizemos estudos que sugerem que esta provavelmente é a principal causa do chamado “autismo da imigração”.

33. Interações psico-sociais
· Crianças com deficiências geram interações incomuns
· Alguns pais têm transtornos do espectro do autimo eles mesmos – em alguns casos um grande problema, ocasionalemnte uma importante vantagem
· Ansiedade, comportamentos violentos, auto-agressões e hiperatividade reduzidas em ambiente favorável às pessoas com autismo

É muito importante entender que não são os pais que causam o autismo nos filhos, mas que a criança com autismo gera interações sociais incomuns no seu entorno. Não somente nos pais, mas nos irmãos e irmãs, professores, todos ao seu redor. Mas é importante também, é claro, saber que alguns pais têm eles mesmos problemas relacionados ao espectro do autismo por causa da ligação genética. Em alguns casos isto pode ser um problema complicado, mas também pode, se os pais tiverem características autísticas leves, ser uma importante vantagem, já que os pais podem entender muito melhor do que as outras pessoas os problemas da criança.

Também é muito importante saber que a freqüência de auto-agressão e hiperatividade são reduzidas em ambientes com condições favoráveis às pessoas com autismo. E um ambiente favorável às pessoas com autismo é um ambiente onde todos sabem sobre autismo. Isto é realmente importante. Se alguém me perguntasse: “Qual é a parte mais importante do seu tratamento ou intervenção para autismo?”, eu responderia que é que todas as pessoas ao redor da criança ou do adulto saibam mais sobre o que é o autismo e o que não é, para não ter uma série de idéias malucas sobre o que ele significa, saber sobre os problemas básicos de comunicação, etc. Isso aumentaria enormemente as possibilidades da criança.


34. Bases cerebrais
· Achado clínico: macrocefalia é comum (Bayley et al 1997, Gillberg e deSouza 2002)
· Lesões cerebrais adquiridas implicaram as regiões temporal, frontal , fronto-temporal e disfunção bilateral na síndrome central; disfunção cerebral direita ou esquerda no espectro do transtorno do autismo (Gillberg & Coleman 2000, Coleman 2005)
· Dados de autópsias sugerem: amígdala, ponte e cerebelo (Bauman 1988)

A base cerebral do autismo está começando a ser compreendida. Há mais e mais estudos mostrando que 1 em cada 5 pessoas com autismo tem uma cabeça grande, macrocefalia. Isso tem sido associado, em alguns estudos, com superprodução de sinapses no início do desenvolvimento e talvez uma falha em interromper as sinapses não funcionais no desenvolvimento inicial. Há uma superprodução de sinapses, o que acontece na maioria das crianças e então, por volta dos 18 meses, há a apoptose e a morte das células e uma redução das sinapses não-funcionais. Mas em algumas crianças com autismo, isto obviamente não acontece. E então muitos deles podem ter neurônios demais ou sinapses demais, muitas das quais não são funcionais, o que poderia levar a uma “rede” cerebral pobre. Alguns estudos têm mostrado que a chamada conectividade cerebral é muito pobre nas pessoas com autismo.

35. Bases cerebrais
· Danos no tronco cerebral sugeridos por
- Talidomida (Stromland, Gillberg et al 1994)
- Associação com síndrome de Moebius (Gillberg & Steffenburg 1997)
- Respostas do tronco cerebral auditivo (Rosenhall, Gillberg et al 2003)
- Diminuição ou ausência do nistagmo pós-rotatório (Onitz, Rivo 1967)
- Tônus muscular aberrante e estrabismo concomitante (Gillberg & Coleman, 2000)

36. Bases cerebrais
· Disfunção cerebelar sugerida por:
- Estudos de autópsias (Bauman et al 1992, Bayley et al 1999, Oldfors, Gillberg et al 2000, Weidenheim, Rapin, Gillberg et al 2001)
- Estudos de imageamento (Courchesne 1988)
- Relação com ataxia (Ahsgren, Gillberg et al 2005)

37. Bases cerebrais
· Disfunção cerebral frontotemporal sugerida por:
- Estudos de autópsia
- Estudos de imageamento funcional
- Estudos neuropsicológicos
- Estudos neuropsicológicos e de neuroimageamento combinados
- Quadros clínicos

Há pelo menos 3 partes diferentes do cérebro que são extremamente importantes para o desenvolvimento do autismo. Uma é o tronco cerebral – está muito claro que cerca de 1 em cada 2 pessoas do espectro do autismo ou pelo menos 1 em 2 de todos com autismo clássico tem problemas importantes no tronco cerebral. O cerebelo está claramente envolvido em uma série de casos. Também tem sido mostrado tanto por neuro-imagens quanto por estudos de autópsia que as regiões fronto-temporais do cérebro, inclusive a amígdala e o giro fusiforme, muito provavelmente estão envolvidos na maioria dos casos.

38. Bases cerebrais
Os estudos neuropsicológicos mostram
· Problemas com meta-representação
· Deficiência de aprendizado não verbal em Síndrome de Asperger
· Deficiência de aprendizado verbal em Transtorno Autístico
· Peculiaridades no “eye-tracking” (rastreamento ocular)
· Deficiência no reconhecimento de expressões faciais em crianças e adultos, em Síndrome de Asperger e Trasntorno Autístico; tendência a olhar na parte inferior do rosto (giro fusiforme)
· Deficiência na Teoria da mente sobre os olhos
· Problemas de Coerência Central
· Deficiências de aprendizado processual (complexo) e conectividade neural reduzida
· Superioridade na aprendizagem de fatos

Os estudos neuropsicológicos são extremamente importantes pelo que eu acabei de mencionar, para as pessoas que convivem com as pessoas com autismo entenderem o que é o autismo, afinal. Tem sido mostrado muitas vezes que as pessoas com autismo e Síndrome de Asperger têm dificuldades com a chamada meta-representação ou teoria da mente. Elas não conseguem entender, desde muito pequenas, que as outras pessoas têm potencialmente um conjunto de pensamentos e emoções diferentes do dela e, portanto, não interagem com aquele conjunto diferente de pensamentos e emoções das outras pessoas.

Há um grupo grande entre as pessoas com Síndrome de Asperger que tem a chamada Nonverbal Learning Disability – NLD ou Deficiência de Aprendizado Não Verbal. Seu desempenho é muito melhor nos testes verbais de QI (Quociente de Inteligência) como o WISC (Weschsler Intelligence Scale for Children), mas os resultados são muito piores quanto à função executiva. Enquanto isso, no autismo clássico, é totalmente ao contrário: as habilidades verbais são muito reduzidas comparadas às habilidades de execução.

Há vários tipos de peculiaridades relacionadas ao “eye-tracking” em autismo. Se as pessoas com autismo seguem um objeto em movimento com o olhar, elas têm dificuldades em fazer isso e ao mesmo tempo lhes faltam os movimentos sacádicos típicos, e alguns deles têm movimentos sacádicos muito atípicos, seus olhos movem-se de outra maneira. E eles também freqüentemente têm ausência do nistagmo pós-rotatório. Todos esses sintomas indicam disfunção do tronco cerebral.

Um dos mais interessantes progressos sobre o autismo talvez sejam os estudos recentes mostrando que um grande grupo de pessoas com autismo, talvez a maioria delas, têm uma forma diferente de processar a face se comparadas a outras pessoas. Elas são levadas a olhar para a sua boca, para a porção inferior do seu rosto, e talvez aí esteja o que as pessoas chamam de uma “esquiva ao contato ocular” que pode não ser esquiva de verdade, mas simplesmente que o seu cérebro está programado para olhar mais para a porção inferior do rosto do que para a porção superior, que é considerada a “posição normal”.

A maioria das crianças olhará nos olhos desde cedo. Elas tentarão entender quem você é, o que está pensando e o que está sentindo, olhando para os seus olhos. As crianças com autismo e Síndrome de Asperger, desde muito pequenas, tendem a olhar na porção inferior do rosto. Elas também não ativam o giro fusiforme, o que acontece quando as crianças “normais” olham nos olhos de outras pessoas. A Teoria da Mente está relacionada à percepção, pela observação da expressão dos olhos, se a outra pessoa está brava ou pensativa, por exemplo. Mas as pessoas do espectro do autismo têm grande dificuldade nesta área. Não conseguem interpretar o que os olhos dizem: o que a outra pessoa está pensando ou sentindo. Também têm deficiências graves nas funções executivas. E isso elas têm em comum com as crianças com TDAH. Têm dificuldades em planejar com antecedência, e grande dificuldade em seguir uma estrutura para alcançar um objetivo futuro. Pode ser que por isso eles, algumas vezes, se fixem demais em rotinas, por que pelo menos eles têm alguma estrutura externa na qual podem se apoiar.

As crianças com autismo têm problemas de Coerência Central, o que de certa maneira pode ser uma vantagem. Isto é, elas tendem a olhar para os detalhes ao invés do todo, enquanto o resto de nós normalmente tende a tentar formar um conceito global, alguma coisa que combine todos os detalhes em um todo: “Eu não preciso saber todos os detalhes para saber o que é”. As pessoas com autismo fazem justamente o contrário. Não conseguem ter a visão geral, fixam-se em detalhes e aprendem sobre os detalhes melhor que as outras pessoas, ou seja, seu aprendizado factual é superior. Comparado a outras crianças com o mesmo QI, eles são extremamente superiores em aprender fatos. Isso era considerado exclusivamente um problema, no passado. Nós devemos estimular isso e tirar vantagem da sua capacidade superior de aprendizado factual, mesmo que, quando muito pequenas, possam não saber o que todas aquelas coisas que conhecem significam. É muito melhor que saibam todas essas coisas. No final, serão capazes de fazer conexões. Talvez quando tiverem 15 ou 20 ou 25 anos de idade, todas as coisas possam convergir e então é melhor que todas aquelas informações estejam nas suas cabeças do que não haver informação nenhuma. Devemos tirar vantagens da sua habilidade de aprender fatos concretos e simples, mesmo que tenham grandes problemas em combiná-los e formar um todo quando são pequenas.

39. Bases cerebrais
· Pelo menos quatro variantes biológicas do autismo:
- Disfunção ou lesão precoce do tronco cerebral e do cerebelo associada a probleas secundários graves (autismo “clássico” com retardo mental, disfunção da linguagem e problemas graves de percepção)
- Disfunção/dano do lobo bitemporal no trimestre médio da gravidez (autismo “clássico”)
- Variação frontotemporal uni ou bilateral em casos de alto funcionamento ou síndrome de Asperger
- Autismo por lesões múltiplas: deficiências graves com retardo mental, comprometimento motor, auditivo e visual

Acreditamos que há pelo menos 4 variantes biológicas do autismo. Uma dessas variantes seria causada pelos problemas precoces do tronco cerebral e do cerebelo, que levariam ao autismo clássico com retardo mental grave ou moderado, disfunção da linguagem e problemas graves de percepção, tais como problemas perceptivos-auditivos. Poderia haver um outro grupo que é a disfunção do lobo temporal bilateral no segundo trimestre de gestação que levaria ao autismo clássico e talvez variações uni ou bilaterais fronto-temporais, mais do que disfunções ou danos. Nossos cérebros são muito mais diferentes do que iguais e esta poderia ser uma variação. E finalmente há o autismo causado por danos cerebrais múltiplos, ou seja, você tem que ter autismo se todo o seu cérebro for danificado.

40. Bases cerebrais
· Provavelmente muitos circuitos (loops) neurais funcionais estão implicados e todos eles violam funções neurocognitivas (sociais) que são crucialmente prejudicadas (mas possivelmente não de forma específica) no autismo (Gillberg 1999, Gilberg & Coleman 2000, Coleman 2005)
· Forma extrema do fenótipo masculino – testosterona? (Gillberg 1980, Wing 1980, Gillberg 1992, Baron-Cohen et al 2002, Baron-Cohen 2005)

É bem provável que nunca encontremos uma neurocircuitaria que seja crucial para o autismo, mas sim muitas neurocircuitarias envolvidas e que todas afetem a neurocognição social.

Alguns estudos recentes e algumas observações clínicas antigas sugerem que o autismo é associado com altos níveis de testosterona durante o desenvolvimento intra-uterino, já que há algo “masculino” no autismo, afinal. Lorna Wing, uma das grandes especialistas na clínica e pesquisa do autismo nos últimos 40 a 50 anos, disse já há bastante tempo que o autismo nada mais é do que o exagero das características masculinas. Os homens são mais rígidos, mais focados, podem trabalhar interminavelmente com a mesma coisa. As mulheres são mais flexíveis, pensam sobre muitas coisas ao mesmo tempo, conseguem manter uma série de coisas na sua cabeça enquanto fazem outras, enquanto o homem quer tudo mais estruturado ou talvez mais “masculino”.

Houve estudos em crianças em idade escolar que foram acompanhadas desde a gravidez porque suas mães fizeram âmniocentese, durante a qual os níveis de testosterona no fluido amniótico foram avaliados. Verificou-se depois que havia uma correlação muito clara entre níveis altos de testosterona no fluido amniótico e desenvolvimento social muito mais pobre na idade escolar. São evidências preliminares que podem ser importantes.

41. Bases cerebrais
· Dopamina (Gillberg et al 1987)
· Serotonina (em retardo mental também) (Coleman 1976)
· Noradrenalina (Gillberg et al 1987)
· Neuroliginas (Jamain et al 2003)
· Glycinas, GABA, Ah, Glutamato ?
· Proteína GFA (Ahlsen et al 1993)
· Gangliosides (Nordin et al 1998)
· Endorfinas (Gillberg et al 1985)
· Sistema imune (Plioplys 1989)

42. A cadeia patogenética
· Agressão genética ou ambiental
· Dano ou disfunção neuroquímica
· Funções neurocognitivas sociais restringidas (aprendizado processual, metarepresentações, coerência central, olhar para a parte superior da face, funções executivas)
· Aprendizagem factual superior
· A “síndrome” (ou algumas vezes, a constelação “arbitrária” de sintomas) do autismo
· Duas síndromes (sócio-comunicativa e comportamental)
· Três síndromes???
· Dúzias de síndromes

43. A cadeia patogenética
· A Síndrome de Asperger e o Transtorno Autístico estão sempre na mesma família de transtornos?
· Alguns pais com Síndrome de Asperger têm filhos com Síndrome de Asperger e parentes com Síndrome de Asperger, mas NENHUM caso de autismo grave
· Outras famílias têm todas as variantes dos Transtornos do Espectro do Autismo em suas famílias estendidas
· Algumas famílias têm filhos com autismo grave e nenhuma história de Transtornos do espectro do Autismo
- Gillberg 2003, observações clínicas, Gillberg & Cederlund 2005

44. Implicações para o tratamento
· Individualizar
· Se houver transtorno subjacente conhecido: tratá-lo (e ficar atento a sintomas específicos de síndromes, como a esquiva de olhar no X Frágil)
· Se houver epilepsia: tratá-la (no entanto, há precauções importantes aqui)
· Se houver deficiências auditivas, visuais e motoras: tratá-las
· Medidas psico-educacionais
· ABA ou Análise do Comportamento Aplicada – também conhecida como Terapia Cognitivo-Comportamental (CBT) quando usadas em indivíduos mais funcionais (“early bird?”)
· Tratamentos sintomáticos biológicos

Quais são as implicações para tratamento afinal? Bem, pessoas com autismo são diferentes umas das outras. Não são todas iguais. Esta é uma das grandes descobertas, porque as pessoas costumavam pensar que o autismo seria um tipo homogêneo de problema, mas não é. É causado por diferentes coisas e as pessoas são diferentes dentro do espectro. O trabalho precisa ser individualizado. Se há um transtorno subjacente, deve ser tratado. E o médico deve saber de coisas tais como: há síndromes no autismo que estão associadas com uma esquiva ao contato ocular muito grave.

Pessoas com Síndrome do X Frágil, por exemplo, não toleram o contato ocular. Então seria muito perigoso e difícil tentar forçá-los a olhar para você. E sabemos por experiência que você não consegue ensinar uma criança com Síndrome do X Frágil forçando-a a olhar para você. Você deveria sentar-se perto e apontar. E então ela pode se concentrar no material educativo.

Se há epilepsia, ela deve ser tratada, mas deve-se entender que há mais precauções a se tomar. E esta é uma área onde neurologistas e psiquiatras devem trabalhar em conjunto, porque alguns dos medicamentos usados nos problemas associados ao autismo não são bons para epilepsia e vice-versa. Alguns dos medicamentos para epilepsia, como os benzodiazepínicos, de maneira geral não são bons para o autismo.

Devem ser tratadas as deficiências motoras, auditivas e visuais, devem ser usadas medidas psicoeducacionais para todas as crianças com autismo, melhorar o conhecimento das pessoas, em especial sobre as bases neuropsicológicas do autismo. Se a pessoa entende os problemas de meta-representação (teoria da mente), a atração por detalhes, a tendência para olhar na porção inferior do rosto, etc. estará muito melhor equipada para lidar com pessoas que têm este tipo de problema.

Elementos da Análise do Comportamento Aplicada (ABA – Applied Behavioral Analysis) e também da terapia comportamental cognitiva podem ser usados com algum sucesso em autismo. Mas elas não devem nunca ser vistas como a base principal do tratamento ou o único tratamento. Ninguém com autismo pode ter só um tipo de tratamento. As pessoas com autismo precisam ser entendidas como pessoas e terem uma abordagem ampla e completa. Você não pode, por exemplo, simplesmente ter terapia uma hora por semana. Isto seria inútil para a maioria das crianças com autismo. Você deve pensar sobre o dia todo, a semana toda, a vida toda da pessoa com autismo.

45. Psicofarmacologia do Autismo
· Somente os antagonistas da dopamina (neurolepticos) têm mostrado de maneira convincente que afetam os sintomas centrais do autismo (vanBuitelaar 2000, McCracken 2002)
· O uso de Risperidona e olanzapina (e haloperidol) é baseado em estudos clínicos
· O uso de Inibidores da recaptação da Serotonina é baseado em estudos em adultos (alto funcionamento) com Síndrome de Asperger e Transtorno autístico
· Algumas evidências positivas sobre o uso de Fluoxetina em crianças com Transtorno Autístico e Transtorno bipolar/Transtorno bipolar familiar
· Estimulantes para Transtornos autísticos e Síndrome de Asperger com TDAH e QI > 20
· Antiepilépticos em alguns casos com autismo e descarga epileptogênica
· Esteróides em autismo com regressão? (Landau-Kleffner)
· Peptídeos?? E drogas sintetizadas com objetivo de interação com peptídeos

Há alguns tratamentos sintomáticos biológicos para alguns problemas, incluindo antagonistas da dopamina, que podem ser muito bons para auto-agressões graves, para extremos de hiperatividade, mas não devem ser usados para o autismo em si. Os inibidores da captação de serotonina são bons para alguns dos problemas de TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo) ou problemas ritualísticos repetitivos que algumas pessoas com autismo têm em grandes quantidades. Mas, novamente, não devem ser usados para o autismo em si. Há algumas evidências positivas do uso de fluoxetina em crianças que têm autismo com transtorno bipolar e pode ser usada naquele grupo.

Os estimulantes, como a ritalina, deveriam ser tentados para crianças que têm autismo com TDAH graves. No passado, isso era algo desaconselhado. Dizia-se: “Não, não, não lhes dê estimulantes por que se tornarão psicóticos”. E novos estudos mostraram que não, eles não se tornarão psicóticos. Reagirão como as outras crianças que têm TDAH, se forem extremamente hiperativos, extremamente desconcentrados. Eles normalmente reagirão positivamente, apesar do autismo, é claro, não ir embora. E então, quando as pessoas dizem “ele está muito melhor em relação à hiperatividade, mas não há outras diferenças”, isso é o esperado, pois não há medicação para o autismo.

Depois de todos os meus anos neste campo, mesmo que alguns neurologistas ainda insistam que somente há epilepsia quando há crises convulsivas claras e óbvias, eu diria que há um subgrupo com autismo, onde não se pode dizer realmente se o que acontece é uma característica de uma descarga epileptogênica de uma doença de base ou uma característica autística. Quando uma criança com autismo é completamente ou muito ausente ou permanece muito tempo em comportamentos de olhar perdido e tem uma descarga epileptogênica associada deve ser considerado o diagnóstico de epilepsia? Deve ser encarado como um transtorno convulsivo ou não? Com certeza, os antiepilépticos são benéficos para alguns casos.

Os esteróides devem ser usados em autismo com regressão se você acreditar que não consegue excluir a possibilidade de Síndrome de Landau-Kleffner.

46. Implicações para o tratamento
· Nenhuma medicação para a maioria
· Neurolépticos atípicos, antiepilépticos, inibidores da recaptação de serotonina, estimulantes, (atomoxetina?), lítium (e outras drogas) para alguns
· Dietas?

As recomendações finais para tratamento são: nenhum medicamento para a maioria; neurolépticos atípicos e estimulantes e antiepiléticos e inibidores de serotonina podem ser usados se tiverem problemas associados. As dietas provavelmente não são úteis para a maioria das crianças com autismo, apesar de haver crianças com autismo com enteropatia glúten-sensível ou com intolerância ao leite e, é claro, você precisa tratar esses problemas separadamente. E algumas vezes você tem bons efeitos sobre o comportamento nessas crianças. Mas a maioria das crianças com autismo não tem doença celíaca ou intolerância ao glúten ou ao leite. Algumas crianças têm doença mitocondrial, que é muito rara, e as crianças com autismo e doença mitocondrial beneficiam-se das dietas para essa última.

47. Implicações para o tratamento
· Exercício físico!
· “Dieta sensorial”, ambiente favorável à pessoa com autismo (reduzir barulho, certos sons, cheiro, conhecimento da equipe sobre o autismo)
· Educação com métodos concretos, visuais (nem sempre) diretos - TEACCH
· ABA - Análise do Comportamento Aplicada
· PECS – Sistema de Comunicação por Troca de Figuras
· Minimizar ambigüidades e interpretações simbólicas

Há muitos estudos mostrando que exercícios físicos são muito úteis para reduzir a hiperatividade e auto-agressão em autismo. O ambiente favorável ao autismo é a coisa mais importante, eu penso. Dicas concretas e muito freqüentemente visuais, mas nem sempre visuais, porque algumas crianças com autismo têm problemas visuais. A filosofia TEACCH (Treatment and Education of Autistic and Related Communication handicapped CHildren – Tratamento e Educação de Crianças com Autismo e com Deficiências de Comunicação Relacionadas) normalmente é uma boa maneira básica de pensar o autismo, porque ela leva em consideração a pessoa como um todo, o dia todo, a vida toda, etc. Agora, algumas pessoas estão dizendo: “a abordagem TEACCH não tem mais confirmação/sustentação que a abordagem ABA – Applied Behavior Analysis”. Bem, isso pode ser verdade do ponto de vista de pesquisas controladas, mas o TEACCH tem sido usado há 40 anos e praticamente no mundo todo, a maioria que a usa sente que é benéfica. Pelo menos há evidências empíricas.

ABA – Análise de Comportamento Aplicada, Comunicação por Figuras e Linguagem de Sinais e o Sistema de Comunicação por troca de Figuras (PECS - Picture Exchange Communication System), em particular, devem ser usados para alguns tipos de problemas. Algumas crianças podem se beneficiar muito com este tipo de sistema de comunicação em vez de usar somente a comunicação verbal.

48. Prognóstico
Muito variável, com grandes diferenças entre alguns casos de “baixo” e certos casos de “alto” funcionamento
Melhor com diagnóstico precoce
Maioria atinge a velhice, mas há mortalidade aumentada em subgrupos (com epilepsia ou outros transtornos médicos, afogamento, acidentes)
Problemas básicos permanecem , mesmo que modificados
Alta incidência de problemas psiquiátricos secundários (transtornos de personalidade, afetivos e sociais, catatonia)
Casos clínicos de síndrome de Asperger têm prognóstico similar àqueles com transtornos autísticos, apesar do alto (e algumas vezes “crescente”) QI

O prognóstico é extremamente variável; não é razoável hoje em dia dizer que o prognóstico é sempre terrível em autismo. Normalmente não é muito bom nos casos clássicos. De fato, é bem pobre normalmente. Mas com Síndrome de Asperger, pelo menos 1 em 3 consegue sair-se muito bem na vida adulta, provavelmente 1 em 3 consegue sair-se relativamente bem e apenas 1 em 3 não se sai bem na vida adulta. Nós fizemos alguns estudos de seguimento em Síndrome de Asperger com pessoas com menos de 10 anos até os 20 a 40 anos de idade e estes foram os resultados: 1 em 3 ficou muito bem, eu deveria dizer surpreendentemente bem, 1 em 3 moderadamente bem e 1 em 3 mal.

49. Prognóstico
· Três subgrupos
· Cronicamente “ausentes”
· Ativos, mas estranhos
· Passivos e “amistosos”

Há três subgrupos na idade adulta e normalmente eles são observáveis desde muito pequenos. Um é muito passivo, não se envolve com outras pessoas, mas pode ser muito amistoso e se relaciona com as outras pessoas de maneira muito passiva. Outro é muito muito ativo, faz contatos estranhos com as outras pessoas. Não entende as necessidades das outras pessoas e então é considerado muito agressivos e socialmente ineptos. E outro é cronicamente ausente, do tipo muito “autístico”.

50. Prognóstico
· Nenhuma fala antes dos três anos de idade - normalmente Transtorno autístico
· Alguma fala aos 3 anos – freqüentemente Síndrome de Asperger
· Nenhuma fala aos 7 anos – sempre transtorno autístico

Se não houver linguagem até os 3 anos de idade, então é bem provável que haja um quadro de autismo clássico, mas se houver alguma fala nesta idade, mesmo que apenas poucas palavras usadas de alguma maneira para algum grau de comunicação, então normalmente a configuração futura será de Síndrome de Asperger. Se não houver nenhuma linguagem aos 7 anos, quase nunca haverá fala. Esses dados são baseados em avaliações estatísticas ou epidemiológicas ou grandes amostras clínicas. Há alguns casos, entretanto, nos quais pode haver algum desenvolvimento da linguagem mais tarde.

51. O futuro
· Conhecimento específico (inclusive genético) e tratamento para os subgrupos
· Tratamentos sintomáticos
· Psicoeducação e análise aplicada do comportamento
· Mudanças na aceitação e nas atitudes “Difundir o conhecimento sobre o autismo” (TV, rádio, jornais, livros folhetos, educação das crianças “normais” nas escolas)
· Pessoas com autismo, não autistas e pessoas autísticas! Enfatizar esse ponto nunca é demais
· Respeito!

No futuro haverá um conhecimento mais específico sobre os subgrupos, o que gerará intervenções melhores. Isto é, se soubermos qual é a base para aquele caso específico de autismo com aquele determinado transtorno subjacente, é bem provável que haja um tratamento mais racional. Haverá tratamentos sintomáticos, psicoeducação, aceitação e mudanças de atitudes, mas eu penso que uma das coisas mais importantes é que as pessoas entendam que a diferença entre as pessoas com autismo e o resto de nós é que eles são diferentes em muitas maneiras. Mas isso não quer dizer que eles sejam anormais, isso quer dizer simplesmente que há uma grande variabilidade humana. E algumas pessoas são extremas nesse aspecto e merecem respeito por isso. Nós não podemos simplesmente dizer que eles devem ficar exatamente como o resto de nós, ou se tornar parecidos com o resto de nós. Talvez eles nem queiram isso. Algumas das pessoas de alto funcionamento com Síndrome de Asperger realmente dizem “Por que vocês querem que nos tornemos exatamente iguais a vocês? Se nós estamos bem, funcionamos bem, estamos felizes conosco e com as nossas vidas, por que querem nos mudar?”. Devemos pensar sobre estas coisas e não simplesmente dizer que eles devem ser todos “normalizados”. Devem ser aceitos como todos os outros.

52. Literatura
· Gillberg C. & Coleman M. Biology o the Autistic Sydromes. Cambridge University Press. New York and Cambridge (2000)
· Gillberg C. A guide to Asperger syndrome. Cambridge University Press. New York and Cambridge (2002)
· Coleman M. (ed) Neurology of Autism. Oxford University Press. Oxford (2005)
· Haddon M. O estranho caso do cachorro morto. Editora Record, Rio de Janeiro (2004)
· Vine B. The Minotaur. Penguin Books - London (2005)

Finalmente há alguma bibliografia. Escrevi vários livros sobre autismo, mas gostaria de chamar sua atenção para retratos mais ficcionais do autismo. Um é o excelente livro de Mark Haddon “O estranho caso do cachorro morto”, que é sobre um rapaz de 15 anos, disponível em português. Penso que é uma leitura fantástica porque dá, de certa maneira, os pontos de vista de uma pessoa com Síndrome de Asperger e de como, se você tiver Síndrome de Asperger, pode interpretar erroneamente o que está se passando e como as outras pessoas podem interpretar erroneamente o que a pessoa com Síndrome de Asperger está pensando e sentindo. E é bem divertido.

Também há o livro de Barbara Vine, “O Minotauro”, um suspense psicológico muito bom e todo ele sobre um homem com Síndrome de Asperger. É interessante que mais e mais livros e filmes venham sendo feitos sobre pessoas com problemas do espectro do autismo, e penso que isso contribui enormemente para se entender melhor o que é e para uma aceitação, não “normalização” dessas pessoas. Não sou a favor da normalização, porque não acredito que exista o “normal”, não gosto do conceito de normal. Quero dizer, quem é normal, afinal? Tenho certeza que as pessoas nesta sala não são completamente normais. Você tem alguma coisa que está no extremo final da distribuição da curva. E é isso que é o autismo. É estar no extremo final da distribuição em termos de comunicação social. Em alguns casos é um enorme problema. E devemos ajudar e tentar fornecer a melhor ajuda disponível. Mas em outros casos é mais uma questão das pessoas aceitarem e entenderem e pensarem: “Bem, poderia provavelmente ser até uma vantagem ter essa característica de não pensar muito sobre o que as outras pessoas pensam sobre você. Em vez de ficar pensando sobre isso, pensar: “Eu preciso fazer isso agora, vou me concentrar nisso, vou fazer isso.”

Penso que algumas das maiores descobertas, algumas das grandes descobertas históricas foram feitas por pessoas com Síndrome de Asperger e claramente em Artes e Música tem havido muitas pessoas com este tipo de personalidade, com problemas importantes de comunicação social. Wittgenstein. Einstein, Kandinski, Bartok são alguns deles. Outro bom livro sobre o assunto é o de Michael Fitzgerald, um psiquiatra infantil de Dublin, que escreveu sobre os homens mais famosos da História, sugerindo que todos eles tinham Síndrome de Asperger. Muito obrigado.

Perguntas da platéia:
1. O que o senhor quer dizer quando afirma que as pessoas com Síndrome de Asperger, são capazes, sim, de empatia, mas não foram treinadas?
Primeiro preciso esclarecer que a empatia é provavelmente uma função do desenvolvimento, como todas as outras funções da natureza humana, é uma função que pode ser desenvolvida. Quando a empatia foi inicialmente discutida por Utah Frith e Simon Baron-Cohen, talvez como equivalente à Teoria da Mente, foi inicialmente considerada como um atributo que você tem ou não tem, mas as pesquisas mais recentes têm demonstrado que ela pode ser desenvolvida. A maioria das crianças com autismo nascem sem habilidades pré-empatia e não as apresentam até quando um pouco mais velhas, mas então, gradualmente, começam a desenvolvê-las – o que uma criança normal começa a ter a partir dos 6 meses, em crianças com autismo aparece aos 6 anos. Esse período, do nascimento até a idade pré-escolar é muito importante do ponto de vista de sociabilização, quando a criança deve interagir constantemente com outras crianças e adultos e desenvolve suas habilidades sociais de maneira muito intuitiva e rápida. No entanto, se a criança tem autismo, em quem essa habilidade de empatia aparece não aos 6 meses, mas aos 6 anos, esse período de “treinamento” é perdido. Se pensarmos se existe o mesmo tipo de “janela” que existe para o desenvolvimento da visão. Não se sabe quando essa “janela” aparece, mas eu penso que é muito óbvio, pelo menos para as pessoas com Síndrome de Asperger, que se forem testadas aos 15-16 anos de idade mostram o mesmo nível de habilidades de empatia dos seus coetâneos “normais” se você testá-los com lápis e papel, mas levam mais tempo para chegar às mesmas respostas. Pensando-se em ambientes sociais, talvez pareça que não estejam entendendo o que se passa, mas, sim, eles estão entendendo muito bem, mas levam mais tempo para processar, o que os torna fora de sincronia com o resto do grupo. Principalmente em situações de grupo. Clinicamente é muito claro que uma pessoa com Síndrome de Asperger é normalmente muito boa em empatia, principamente depois dos dez-doze anos de idade; em uma conversa um para um. Conversando individualmente, o médico ficará surpreso pela sua capacidade de empatia, e talvez pensará que aquela pessoa não tenha autismo e problemas com empatia - ela realmente não tem do ponto de vista cognitivo, mas não consegue usá-la de maneira rápida. Pensando numa interação em grupo, mesmo de 3 pessoas, a lentidão no processamento se torna um problema muito limitante, já que essas habilidades teriam que ser usadas de maneira muito rápida, isto é, saber o que significa um sorriso ou um olhar e porque está falando e processar isso em milésimos de segundos e então responder socialmente. Com alguns dos meus pacientes, a comunicação um a um durante a consulta é muito tranqüila, não sinto nenhum problema de comunicação. Mas se alguém entra na sala no fim da consulta e temos uma interação muito breve em três, fica muito claro que o paciente fica confuso e depois acontece de me ligarem para dizer que “quando você disse isso queria dizer aquilo”.

2. Quando ouvi falar de Síndrome de Kanner pela primeira vez, fins dos anos 1950 e começo dos 1960, falava-se da teoria psicanalítica de que pais frios e inteligentes causavam o autismo. O que o senhor pensa disso?
Acredito que Kanner nessa época, era extremamente influenciado pela psicanálise, o que era comum entre os psiquiatras em 1940-50, e nesse contexto ele tentou desesperadamente explicar o autismo. Kanner inicia seu primeiro trabalho publicado descrevendo algumas crianças que nasceram sem a habilidade inata de estabelecer relações recíprocas e interações afetivas e sociais. Quer dizer, ele começou falando de habilidades inatas, que não poderiam ser produzidas pelas mães, mas então ele mudou sua opinião, dizendo que isso era causado pelas mães. Até 1966 ele manteve essa postura, quando então resolveu “absolver” os pais, dizendo “eu os absolvo da culpa”, um tipo de postura divina. Hoje em dia considero que teria sido muito melhor que Kanner não tivesse publicado aqueles trabalhos, já que contêm muitas especulações. Os trabalhos de Asperger estão muito mais de acordo com o que pensamos do autismo atualmente; ele afirmou no seu primeiro trabalho que pensava que os problemas descritos provavelmente seriam causados por problemas genéticos ou danos cerebrais ocorridos durante a gravidez. Kanner nos desorientou por muitos anos. A psicanálise não nos ajuda a explicar o autismo. A terapia psicanalítica, se for limitada à interpretação e simbolização não é benéfica e há boas evidências que pode ser prejudicial para as crianças e suas famílias.Não deve ser a base nas intervenções em autismos.

3. Eu sou neurologista e trabalho com aspectos genéticos e erros inatos do metabolismo; sempre tenho problemas em aconselhar famílias e médicos sobre os exames mínimos a fazer em crianças com autismo. A gente pensa: estudos cromossômicos, sim, X Frágil, pode ser. E os erros inatos do metabolismo? Todo mês aparece um novo transtorno ao qual o autismo pode estar associado E provavelmente são transtornos muito raros. Eu sei que não existe uma lista pronta, mas é razoável, quando se trabalha com uma condição que tem uma ampla variedade de pontos de partida, ter uma base do que deve ser feito.

Segunda questão: Estudos genéticos em autismo são muito complicados, porque está lidando com um transtorno que é bastante comum, e com muita variabilidade a muitas outras condições. Mesmo quando você está tratando com irmãos, que seriam as ideais, alguns pares podem estar associados por acaso, porque você está trabalhando com 1% de traços autísticos na população e no máximo 3% dos membros da família terão as mesmas características.

3.1. Há algumas boas diretrizes do que deve ser feito ou não para exames clínicos e laboratoriais em casos de autismo: algumas delas estão publicadas no livro Biologia das Síndromes Autísticas (Biology of Autistic Syndromes) e particularmente no mais recente livro de Mary Coleman, Neurologia do Autismo (The neurology of autism), que acabou de ser publicado Mas em linhas gerais, eu diria:

a. Crianças menores de 10 anos, com sintomas de autismo clássico, com retardamento mental grave com QI menor que 50, eu incluiria sempre uma pesquisa para análise genética Síndrome de X Frágil (gene FMR 1), , pesquisar Síndrome de Angelman, que tem sido ignorada em muitos casos porque se pensa que esta síndrome esteja sempre associada à incapacidade de caminhar de maneira independente, o que não é verdade, há crianças com esta síndrome que caminham bastante bem. Se houver qualquer indicação de epilepsia, de lesões de pele de qualquer tipo, faria uma neuroimagem (Ressonância nuclear magnética), o que quase sempre exige anestesia geral e muitos pais ficam relutantes e o médico deve refletir se o neuroimageamento é absolutamente necessário.

b. Casos com criança por volta de 10 anos, especialmente com inteligência normal, a coisa importante é procurar se há AS na família ou problemas parecidos – isso pode diminuir a necessidade de outros exames.

Penso que o mais importante para todas as crianças com autismo é ter acesso a um médico especialista, pelo menos a um pediatra, neurologista infantil ou psiquiatra infantil muito bem treinado que pelo menos bem informado sobre o autismo: a avaliação clínica aqui é a chave . Alguém muito bom nessa área deve avaliá-la. Minha maior preocupação é que isso não vem acontecendo atualmente. Esse profissional bem informado, com uma destas listas, pode pensar quais transtornos devem ser pesquisados.

3.2. Aconselhamento genético – Não é possível entrar em muitos detalhes agora, mas acredito que deva sempre haver uma conversa pessoal do médico com os os pais onde se esclareça que há um maior risco de ter outros filhos com transtornos do espectro do autismo, mas isso depende do que o médico sabe da condição subjacente ao autismo. Por exemplo, se for comprovada a Síndrome do X Frágil ou a Esclerose tuberosa o aconselhamento genético deverá ser outro. Mas em 80% dos casos, o médico não terá nenhuma pista sobre a condição subjacente e então deve se apoiar nos dados estatísticos. Deve dizer aos pais que mesmo havendo um risco muito maior que a média, há uma chance de 95% que não haja outro caso de autismo clássico e 80 a 85% de chance de que não haja outro caso de um transtorno do espectro do autismo e eles terão que decidir se terão mais filho. A maioria dos pais que tiveram um filho com autismo tendem a ter muito menos filhos. A grande maioria dos pais resolvem parar de ter filhos quando sabem que existe um risco aumentado de terem mais filhos com problemas relacionados. Mas outros, mais esperançosos, resolvem ter, e eu acho razoável pensar que existe a probabilidade de mais de 80% de isso não acontecer. Mas esta é uma área muito complexa.
Há 5 a 6 anos atrás as pessoas estavam muito entusiasmadas sobre a nova genética, pensando que se conheceriam todos os genes - 3 a 6 genes, quando se trabalhava com o pressuposto de uma ocorrência 4 em 10.000. Pensar em 3 a 6 genes seria razoável para uma prevalência de 4 em 10.000, mas na frequência que tem se constatado agora, não pode ser assim. Se pensarmos por exemplo, na probabilidade de 50 genes envolvidos: a modelagem estatística então teria que ser feita pensando na possibilidades de que esses genes se combinem em trios, seriam milhões de combinações. Não sei se isso poderá nos ajudar do ponto de vista clínico, penso que stá ficando cada vez mais complicado.Infelizmente....

4. Em 1983 eu conheci em Buenos Aires um psiquiatra que tinha uma escola para crianças com autismo onde usava musicoterapia e contatos com animais de estimação em uma mini-fazenda. O que o senhor pensa disso?

Acho que a musicoterapia, se não for aplicada como forma de “curar” o autismo, mas como uma maneira a mais de melhorar a sua vida, pode ser fantástica.Depende também do musicoterapeuta, que não deve dizer que a musicoterapia curará o autismo, transformará a criança em outra pessoa Isso é perigoso, um grande erro. Nunca conheci alguém que se curou, mas conheço muitas que adoram a musicoterapia e se beneficiam muito dela. Para outras crianças a musicoterapia pode ser terrível, há crianças que não suportam certos sons e permanecem tapando os ouvidos ou ausentes durante toda a sessão. O terapeuta pode achar que tem que insistir, que vai demorar, daqui a 2 anos ele vai mudar. Eu não acredito nisso. Se perceber que a criança com autismo está muito infeliz por várias semanas, você deve pensar em desistir seja qual for a abordagem empregada.Muitas vezes as pessoas continuam insistindo, porque é assim mesmo, demora. É verdade, demora. Pode demorar meses, nos.Mas se a criança permanece sofrendo por meses deve-se repensar aquele tipo de terapia para aquela criança.
O mesmo acontece para terapia com animais. Para algumas crianças, o contato com animais pode ser muito benéfico, os animais não exigem o mesmo tipo de comunicação que as pessoas e podem se comunicar de outras maneiras, mas outras que permanecem em estágios muito primitivos e podem fazer coisas terríveis para os animais, sem saber que estão maltratando o animal. Ou seja , o tratamento deve ser muito individualizada.

O ponto principal é que não há um conceito terapêutico que sirva para todas as crianças, deve ser explorado um conjunto de possibilidades.

Para organizar um bom serviço de atendimento para pessoas com autismo, primeiro deve-se pensar na equipe diagnóstica: deve haver médicos especialistas, o ideal seria um neurologista , pediatra e psiquiatra infantil , sempre deve haver sempre um psicólogo e sempre alguém da área de educação.Pode haver mais profissionais, mas estes são essenciais para um bom diagnóstico.

Sobre terapias: Eu penso que é absolutamente errado dizer, por exemplo, que a Análise do Comportamento Aplicada (ABA- Applied Behavioral Analysis) vai resolver o problema,: todas as crianças precisam de 40 horas semanais ou mais.Ou o TEACCH (Treatment and Education of Autistic and Related Communication handicapped CHildren – Tratamento e Educação de Crianças com Autismo e com Deficiências de Comunicação Relacionadas) vai resolver tudo, vai ser fantástico para todos tirar a criança do autismo. Ou Musicoterapia é a única coisa a fazer. Ou Terapia Psicanalítica. Só não acredito em Psicanálise Tradicional ou em Ludoterapia centrada exclusivamente na interpretação do comportamento da criança. Não acredito em comunicação facilitada, há muitos trabalhos mostrando que é um conceito completamente equivocado. Há uma série de terapias que podem ser usadas e é bom que se conheça sobre elas. PECS (Sistema de Comunicação por Troca de Figuras – Picture Exchange Comunication System), por exemplo: alguém da equipe deve conhecer esse sistema. Mas não pense que porque a criança está fazendo Musicoterapia, por exemplo, ela não precisa de mais nada.

De novo: o mais importante é que as pessoas que se relacionam com a pessoa com autismo conheçam muito mais sobre o autismo, os professores saibam quais suas principais características. Para que não haja pessoas que digam às pessoas com autismo: você deve mudar, você deve se tornar sociável! Você não diz para uma criança cega: você precisa enxergar. Sua deficiência social e de comunicação é tão real como a cegueira: assim como você não força um cego a ver, você não pode forçar as pessoas com autismo a ser o que não são.

Transcrição das fitas: Luisa Modesto
Tradução: Inês de Souza Dias, Bruno Caramelli, Mariana S. Rocha de Mello
Agradecimento: Paulo Caramelli