"Temos o direito de ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito de ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza". (Boaventura de Souza Santos)

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Nova promessa em medicamento para síndrome de retardamento

Qua, 19 Mai, 04h59



Um medicamento experimental obteve sucesso num pequeno experimento clínico, ao conseguir o que os pesquisadores chamaram de melhoras substanciais nos comportamentos associados ao retardamento e autismo em pessoas com síndrome do X frágil, a causa hereditária mais comum dessas deficiências mentais.

Os surpreendentes resultados, divulgados numa recente entrevista pela Novartis, a gigante farmacêutica suíça produtora do medicamento, surgiram de três décadas de uma detalhada pesquisa genética, progressos na compreensão do funcionamento do cérebro, o apoio de famílias que se recusaram a desistir e um encontro fortuito de dois cientistas que apareceram, por engano, na mesma conferência.


"Apenas três anos atrás, eu teria dito que o retardamento mental é uma incapacidade que precisa de reabilitação, e não uma doença que precisa de medicação", afirmou o Dr.


Thomas R.


Insel, diretor do Instituto Nacional de Saúde Mental dos Estados Unidos, que foi informado dos resultados da Novartis.


"Quaisquer resultados positivos de experimentos clínicos serão incrivelmente promissores".


O Dr.


Mark C.


Fishman, presidente do Instituto Novartis de Pesquisa BioMédica, alertou contra o otimismo exagerado.


O experimento envolveu somente algumas dúzias de pacientes, sendo que apenas alguns se beneficiaram do tratamento.


O remédio está provavelmente a anos de ser disponibilizado comercialmente e pode fracassar em outros experimentos clínicos, disse ele.


"Estávamos relutantes em tornar isso público, pois ainda precisamos realizar mais experimentos, fazê-los corretamente e de maneira mais ampla", disse Fishman.


"Mas nosso grupo está bem satisfeito com os dados".


Se autenticados em experimentos maiores, os resultados podem também se tornar um marco no campo da pesquisa sobre o autismo, já que os cientistas especularam que o remédio pode ajudar alguns pacientes com autismo não causado pelo X frágil - talvez se tornando o primeiro medicamento a agir sobre os sintomas principais do autismo.


Uma criança em cada 5 mil nasce com síndrome do X frágil, com efeitos mentais se estendendo de dificuldades leves no aprendizado a um retardamento tão profundo que os pacientes não falam, e efeitos físicos que incluem rostos alongados, mandíbulas proeminentes, orelhas grandes e testículos aumentados.


A síndrome afeta principalmente meninos e recebeu seu nome porque, num microscópio, um braço do cromossomo X parece quase quebrado, com parte dele pendurada por um fio.


O gene para o X frágil foi descoberto em 1991.


Desde então, trabalhos descobriram que pacientes com X frágil parecem sofrer uma sobrecarga de ruído sináptico não-verificado - sinapses sendo as junções entre neurônios.

O remédio da Novartis, e outros como ele, pretendem reduzir o volume desse ruído - para que a formação de memória e o pensamento de alto nível possam ocorrer, permitindo que as crianças se desenvolvam normalmente.

O experimento da Novartis, que teve início na Europa em 2008 e cuja análise de dados foi concluída este ano, foi breve demais para observar efeitos sobre a inteligência básica.

Em vez disso, os pesquisadores mediram uma variação de comportamentos anormais - como hiperatividade, movimentos repetitivos, isolamento social e discurso inapropriado.

Eles ministraram o medicamento a um grupo de pacientes e placebo ao outro, trocando os tratamentos após algumas semanas; tanto médicos quanto pacientes não sabiam qual pílula era qual.

Os resultados do experimento estavam um tanto confusos, até os cientistas da Novartis perceberem que os pacientes com um traço biológico característico não-divulgado melhoravam muito mais do que os outros.

"A conclusão é que apresentamos nítidas melhoras em comportamento", disse Fishman.

Sabendo dos resultados, dois pais de um paciente de X frágil ficaram eufóricos.

"Trabalhamos para isso, é isso que esperamos desde que nosso filho foi diagnosticado com X frágil, dezessete anos atrás", disse Katie Clapp, presidente e co-fundadora da Fundação de Pesquisa FRAXA, uma organização sem fins lucrativos dedicada a custear pesquisas sobre o X frágil.

"Essa pode ser a chave para solucionar o mistério do autismo e outras doenças do desenvolvimento".

Geraldine Dawson, diretora de ciência da Autism Speaks, a maior organização defensora de autismo no mundo, disse que um corpo de pesquisa cada vez maior sugere que as muitas causas genéticas do autismo parecem todas afetar as sinapses, indicando que o tratamento para uma forma da doença pode ajudar outras.

"O fato instigante desses resultados é que nós esperamos que esses mesmos medicamentos possam ter benefícios positivos similares para pessoas com autismo que não possuem a síndrome do X frágil", disse Dawson.

Entre 10 e 15% dos casos de autismo resultam da síndrome do X frágil ou outro defeito genético conhecido.

Enquanto o X frágil é a causa hereditária mais comum para retardamento mental, a síndrome de Down - que também causa retardamento - é mais comum, mas não é hereditária.

Os resultados do experimento da Novartis não foram publicados ou revisados por pares, e por razões comerciais Fishman se recusou a divulgar muitos detalhes.

O Dr.

Luca Santarelli, chefe de neurociência da Roche, confirmou que a empresa está em meio a testes de um medicamento similar, em pacientes com X frágil, em quatro lugares dos Estados Unidos.

"Até agora nós estamos gostando do que vemos", disse Santarelli em sua única caracterização do estudo.

Uma razão para a euforia envolvendo o experimento da Novartis é que ele foi visto como um teste especialmente difícil dos efeitos do medicamento.

Por motivos éticos, a Novartis testou a droga somente em adultos.

Porém, a empresa e pesquisadores de fora acreditam que tais compostos podem se mostrar mais eficientes em crianças jovens, cujos cérebros têm probabilidades muito maiores de responder rapidamente quando as barreiras ao aprendizado são removidas.

"Este é talvez a descoberta terapêutica mais promissora para uma doença comportamental baseada em genes", afirmou o Dr.

Edward M.

Scolnick, ex-chefe de pesquisa da Merck e atual diretor do Centro Stanley de Pesquisa Psiquiátrica no Broad Institute, em Harvard, e do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT).

Scolnick não viu os resultados do experimento da Novartis, mas ficou sabendo deles e concluiu que, se as drogas funcionam no X frágil, "não há como dizer que elas não funcionarão em alguns casos de doenças num espectro mais amplo de autismo".

As raízes para os resultados da Novartis começaram em 1982, quando Stephen T.

Warren, então um estudante de graduação em genética da Universidade Estadual de Michigan, procurava um emprego e algo o que pesquisar.

Um amigo lhe contou a respeito do X frágil e, com a mesma reflexão que utilizava para escolher um livro para um voo longo, ele decidiu que queria encontrar o gene que causava a síndrome.

"Eu não fazia ideia do quanto isso seria difícil", contou Warren.

Nove anos depois, Warren, então na Universidade Emory, fazia parte de uma equipe internacional que venceu uma concorrida competição isolando o gene.

A descoberta foi noticiada em primeiras páginas do mundo todo, e especialistas previram que amplos testes e terapias fetais estavam à vista.

As previsões foram prematuras, pois, como a maior parte das pesquisas genéticas, descobrir como o gene defeituoso causava a doença era muito mais difícil do que se havia imaginado, e exigia múltiplos saltos em neurologia e biologia.

E mesmo com isso, grande parte permanecia um mistério.

O X frágil é causado por um gaguejar genético, no qual uma parte do gene é repetida como um disco riscado.

Em cada uma das gerações subsequentes, o número de repetições tende a aumentar.

Então, se uma mãe possui 10 repetições, seu filho pode ter 11 ou 12.

Por razões ainda não bem compreendidas, entretanto, esse processo de amplificação repetida pode ficar subitamente desordenado.

Assim, mães que possuem 55 ou mais repetições tendem a ter filhos com centenas.

Em qualquer pessoa com 200 ou mais repetições, o corpo desliga o gene.

Como os genes são usados para produzir proteínas, essa paralisação genética significa que a proteína codificada nunca será produzida.

A ausência dessa proteína nas células causa os efeitos de amplo alcance da síndrome do X frágil.

Aqueles com 55 a 200 repetições são considerados portadores, e pesquisas recentes mostram que eles podem apresentar graves declínios neurológicos com a idade - algo como Alzheimer e Parkinson.

Após encontrar o gene fundamental de uma doença, muitos geneticistas teriam partido para outros tópicos de pesquisa.

Warren, porém, conheceu crianças afetadas e seus pais.

Em vez de fotos de família, a mesa de Warren exibe uma foto emoldurada de um cromossomo X frágil.

"Eu não poderia dizer a alguém como Katie Clapp que não iríamos mais seguir com essa pesquisa", disse ele.

Assim, ele continuou.

Anos de trabalho, por ele e por outros, mostraram que a proteína faltando naqueles com X frágil normalmente parece agir como um tipo de guarda de trânsito em sinapses do cérebro, ajudando a parar ou desacelerar a sinalização cerebral a intervalos cruciais.

Ela faz isso absorvendo as instruções genéticas necessárias para produzir proteínas que estimulam a sinalização cerebral.

Regular esse fluxo de pulsos elétricos através do cérebro é essencial para a habilidade do cérebro de aprender e amadurecer.

Warren estava ocupado tentando recriar esse guarda de trânsito sináptico quando, graças a um conflito de agendas, ele compareceu, em 2001, à conferência científica errada e acabou se sentando ao lado de Mark F.

Bear, um professor de neurociência do MIT que havia acabado de fazer uma apresentação sobre compostos que pareciam funcionar em sinapses para acelerar a criação de proteínas - incluindo a que faltava nos pacientes de X frágil.

Os dois começaram a conversar e decidiram colaborar.

Eles descobriram que, quando Bear revertia a engenharia de seus compostos, eles pareciam desacelerar as transmissões cerebrais.

Ao invés de um guarda de trânsito, o cérebro ganharia lombadas.

Não o ideal, mas talvez adequado para reduzir o ruído sináptico o bastante para encorajar o aprendizado e a moderação do tipo de engarrafamentos sinápticos que, em crianças com X frágil, podem levar a ataques de epilepsia.

Como previsto, camundongos, peixes e moscas da fruta que, através da engenharia genética, foram criados com X frágil, pareciam se tornar normais ao receber o composto de Bear.

O composto da Novartis é membro da mesma família de drogas.

"Nós prometemos, durante muito tempo, que destravar a base molecular para doenças hereditárias levaria a enormes avanços terapêuticos, e essa promessa está finalmente se tornando realidade", disse o Dr.

Francis S.

Collins, diretor do Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos, ao discutir a ciência levando ao experimento.

"Mas isso não foi fácil".

A busca por um tratamento Há cem anos, Clapp teria morrido no parto de Andy, seu filho com X frágil.

"A cabeça de Andy era grande demais para sair sem uma cesariana, ele teria me matado, e isso teria cuidado do gene do X frágil", disse ela.

Mas Clapp e Andy sobreviveram.

apesar de visitarem alguns dos melhores hospitais do país, quatro anos se passariam para que a condição de Andy fosse corretamente diagnosticada.

Quando um médico finalmente pensou em fazer um teste para o X frágil, Clapp e seu marido, o Dr.

Michael Tranfaglia - ambos formados em Harvard e com pós-graduação -, pesquisaram a doença e chegaram a duas conclusões: o X frágil era potencialmente tratável, e apenas cinco pesquisadores no mundo estavam buscando uma cura.

"Eu pensei: e se todos os cinco atravessarem a rua ao mesmo tempo e forem atropelados por um caminhão?" disse Clapp.

"Isto não nos ajudará em nada".

Então, os dois fundaram a Fundação de Pesquisa FRAXA.

Surpreendentemente, seus esforços parecem estar dando frutos, e podem finalmente oferecer esperanças não só àqueles com o X frágil, mas também aos portadores - como a irmã de Andy, Laura.

"Sempre soube que meus filhos têm chances de ter a doença", disse Laura, de 18 anos, numa recente visita à casa da família.

"Mas eu não terei filhos por pelo menos dez anos, e até lá eles já terão uma cura".

Ela fez uma pausa, olhou para sua mãe e disse: "Você tem dez anos".

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