"Temos o direito de ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito de ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza". (Boaventura de Souza Santos)

quinta-feira, 19 de março de 2009

Aumento em casos de autismo entre somalis em Minneapolis é preocupante

Aumento em casos de autismo entre somalis em Minneapolis é preocupante
Donald G. McNeil Jr. Do 'New York Times'


Ayub Abdi é um menino fofo de cinco anos de idade com um sorriso que poderia ser classificado como tímido, se não fosse seu olhar vazio. Ele não fala. Quando tinha dois anos, ele dizia "papai", "mamãe", "me dá" e "quero água", mas agora nem isso.
Ele grita, cospe e lamenta alto "Unnnnh! Unnnnh!" quando não está contente. À noite, ele bate na parede por horas, o que levou expulsão da família de seu último apartamento.
Enquanto ele é amarrado em seu assento do ônibus que o leva às aulas de educação especial, é difícil não observar que há apenas outra criança no veículo. O outro garoto também é filho de imigrantes somalianos.

"Conheço dez pessoas cujos filhos têm autismo", disse o pai de Ayub, Abdirisak Jama, segurança profissional de 39 anos de idade. "Todas elas estão em busca de ajuda". O autismo está aterrorizando a comunidade de imigrantes somalianos em Minneapolis, e alguns pediatras e educadores se juntaram aos pais para soar um alarme. No entanto, especialistas em saúde pública sustentam que é difícil discernir se o aparente aumento de casos é realmente um surto, com uma causa capaz de ser identificada e tratada, ou simplesmente um acaso estatístico. Num esforço para descobri-lo, o Departamento de Saúde de Minnesota está conduzindo uma pesquisa epidemiológica com a consultoria dos Centros Federais para o Controle e Prevenção de Doenças.

Esse tipo de enigma a ser resolvido, afirmam especialistas, surge quando existe um grupo de pessoas com doenças não-contagiosas. Apesar de haver poucas pesquisas sobre a concentração de autistas, relatos de concentrações de câncer são tão comuns que os órgãos de saúde por todo o país respondem a mais de mil solicitações sobre situações suspeitas a cada ano. A grande maioria se mostra infundada. Até mesmo quando um caso é confirmado, a causa é poucas vezes determinada, assim como o sarcoma de Kaposi entre homens homossexuais e mesotelioma entre trabalhadores de "asbestos".
É "extraordinariamente difícil" separar concentrações ao acaso daquelas nas quais todos foram expostos ao mesmo agente cancerígeno, disse Dr. Michael J. Thun, vice-presidente de epidemiologia da Sociedade Americana de Câncer. Como a causa do autismo é desconhecida, as autoridades de Minnesota consideram uma epidemia bastante difícil, até saberem o que exatamente investigar.
"Existem, obviamente, preocupações reais aqui, mas não queremos fazer um julgamento superficial", disse Buddy Ferguson, porta-voz do departamento de saúde. Até mesmo contabilizar os casos de autismo é difícil, pois os diagnósticos são feitos inicialmente pelas escolas, não pelos médicos, e as estimativas populacionais de somalianos variam amplamente.
Os resultados devem ser divulgados no final do mês.
Mesmo se o departamento de saúde confirmar a existência de uma concentração de casos, isso não irá responder o motivo pelo qual ela ocorre. Ainda assim, Thun afirmou que um possível foco num único grupo étnico "aumenta a sensação de que a investigação é essencial".

Ele acrescentou que o próximo passo seria observar somalianos residentes em outras cidades. Um pequeno e recente estudo, feito com refugiados em escolas de Estocolmo, descobriu que os somalianos freqüentavam aulas especiais para alunos autistas três vezes mais que os índices normais. Representantes de grupos somalianos em Seattle e San Diego estavam cientes do medo existente em Minneapolis, mas não tinham certeza sobre seus próprios índices.
Médicos familiares, atuantes nas comunidades somalianas de Boston e de Lewiston, no Maine, ouviram falar num aumento de casos nesses lugares. "É uma preocupação aqui, mas não fizemos nada específico para observar o problema", disse Ahmed Salim, do Somali Family Services, de San Diego. Shamso Yusuf, da Aliança de Mulheres Refugiadas, em Seattle, disse, entre lágrimas, que sua própria filha foi diagnosticada com autismo.

"Vejo muitos pais com filhos de cinco anos de idade que não conseguem falar", disse. No entanto, nenhum estudo foi realizado em Seattle, segundo ela. Os somalianos começaram a chegar a Minneapolis em 1992, levados pela guerra civil. A população de somalianos em Minnesota é estimada entre 30 e 60 mil. A cidade é acolhedora e os benefícios sociais são generosos, todavia muitos vivem uma vida segregada, como muçulmanos conservadores, as mulheres usando lenços negros e vestidos longos. Muitos homens somalianos trabalham como motoristas de táxi ou seguranças profissionais. Outros são contadores ou administram lojas dirigidas a somalianos em pequenos shoppings.

Ativistas antivacina estão realizando campanha entre eles. Este fato preocupa agentes de saúde pública especialmente porque algumas famílias vão e vêm da Somália, onde o sarampo ainda é uma causa significativa da morte de crianças, de acordo com a UNICEF. Uma das primeiras a alertar as autoridades foi Anne Harrington, que trabalhou com educação especial nas escolas de Minneapolis durante 21 anos.

Na última década, ela disse, "começamos a ver um número tremendo de crianças nascidas aqui com as formas mais severas de autismo". No ano passado, continuou ela, 25% das crianças em aulas pré-escolares com tratamentos intensivos tinham pais somalianos, enquanto somente cerca de 6% das matrículas no ensino público era de somalianos. Dr. Daniel S. McLellan, pediatra, contou que, ao começar a atender no Hospital Infantil, há seis anos, ele ficou surpreso com a quantidade de somalianos autistas em tratamento. "Eles tinham sintomas clássicos", disse. "Linguagem realmente deficiente, não observavam rostos, não faziam contato olho no olho, não se comunicavam com gestos, ficavam somente perdidos em seu próprio mundo. Ninguém confundiria esses sintomas com qualquer outra coisa". Existe uma especulação desenfreada sobre possíveis causas: as condições de vida na Somália ou em campos de refugiados no Quênia; os remédios tradicionais; casamentos interraciais; predisposição genética; deficiência de vitamina D devido à falta de luz solar; além de, é claro, vacinas. No entanto, todas as teorias têm pontos fracos. A maioria das crianças, disse Idil Abdull, uma das primeiras mães de filho autista a pedir investigação por parte das autoridades, nasceu aqui, teve os mesmos cuidados médicos e recebeu as mesmas vacinas que qualquer outra criança incluída no programa Medicaid.
Não se trata de diagnóstico equivocado devido aos problemas de linguagem; muitos têm irmãos que vão bem na escola. Os hmong, do sudeste da Ásia, também imigrantes vindos de campos de refugiados, não têm índices altos de autismo, disse Harrington. Os refugiados somalianos têm muitas doenças, disse Dr. Osman M. Ahmed, do Projeto de Saúde da África Oriental em St. Paul. Estas incluem: tuberculose, hepatite B, depressão associada à guerra civil, e deficiências em vitamina D. No entanto, a falta de vitamina D é uma explicação ambígua. Índices desse distúrbio são similares na população americana branca e negra, segundo o CDC, e os somalianos, em geral, não têm a pele mais escura que os negros americanos.
Na Somália, primos legítimos se casam entre si. Globalmente, segundo a organização March of Dimes, índices de problemas no nascimento são mais altos em países árabes com casamentos entre parentes próximos. Porém, esses índices, nos somalianos, são moderados, e o autismo não fez parte desses estudos. De qualquer forma, muitos pais somalianos estão confusos e assustados. "É impossível ignorar", disse Hassan Samantar, defensor dos pais do Pacer Center, para crianças com deficiências. "Não havia palavra para essa situação no idioma somali. Vimos síndrome de Down e esquizofrenia, mas genericamente conceituados – nossa palavra é algo como 'doido'. As pessoas estão chamando o autismo de 'otismo' ou 'a doença americana'. Alguns dizem que a doença reflete algo que você ou seus pais fizeram, que a maldição está lhe pegando".

Muitos pais somalianos daqui não conseguem ler em inglês nem assistir à televisão americana, ele disse, então eles ouvem falar do o autismo pela primeira vez somente quando um pediatra sugere examinar uma criança. Alguns mandam suas crianças de volta para a Somália. "Eles dizem: 'Lá tem mais luz do sol, menos poluição, a comida é mais fresca, pois o animal foi abatido na mesma manhã'", disse Abdull. "Eles dizem: 'Meu filho não fala? Jogue-o no meio de vinte crianças que ele vai falar. As crianças vão incitá-lo até que ele fale'. Você sabe como as crianças correm por aí na África? As pessoas aqui são tão isoladas em seus apartamentos. Os pais pensam que dessa forma os filhos vão se recuperar da doença." Grupos antivacina notaram isso. Em novembro, J.B. Handley, fundador da Generation Rescue, defensora do tratamento de crianças autistas com dietas livres de trigo e derivados de leite, vitaminas e quelatos, para remover o mercúrio, escreveu uma carta aberta aos "Corajosos Pais Somalianos". Ele os alertou a não confiar no departamento de saúde pública e sugeriu a diminuição gradual das vacinas das crianças, além da solicitação das dispensas dos requerimentos de vacinas das escolas. Ele também ofereceu pagamento para alguns que frequentassem a conferência antivacina. O apelo teve efeito.

Muitos pais, incluindo os de Ayub, agora dizem que o autismo das crianças começou com convulsões iniciadas após as doses de vacinas. "As pessoas da comunidade somaliana foram atraídas por essa teoria, e muitas estão resistindo à imunização", disse McLellan. No entanto, existem também crianças como o garoto Shumsudin Warsame, de oito anos, que não fala mais de uma palavra de cada vez, corre em círculos e se autoinflige espetando canetas no rosto. Ele nasceu na Somália, cresceu no Egito e chegou aqui há seis meses. O menino começou a sofrer convulsões antes de completar um ano de idade, disse seu pai, Abdiasis, muito antes de tomar qualquer vacina. Para Warsame, encontrar algo para jogar a culpa não faz sentido. Pai solteiro, ele e Shumsudin estavam num centro de saúde esperando encontrar um abrigo de assistência em tempo parcial. "Tenho um amigo somaliano com três crianças portadoras de autismo, todas nascidas em Minnesota", disse Warsame. "Preciso de ajuda; todos nós precisamos. Não vejo muitas pessoas tentando nos ajudar. É melhor do que no Egito ou na Somália, mas não é o que esperávamos".

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