"Temos o direito de ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito de ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza". (Boaventura de Souza Santos)

sexta-feira, 3 de abril de 2009

O Dia Mundial do Autismo

Escrito por Bruno Vicente
Coimbra
Residência para pessoas com autismo vai nascer em Cruz de Morouços
A Associação Portuguesa para as Perturbações do Desenvolvimento e Autismo está a angariar fundos para dar vida a um tipo de estrutura que é raro em PortugalO Dia Mundial do Autismo foi ontem celebrado em Coimbra «de forma produtiva». Cerca de cem pessoas estiveram reunidas e ouviram a presidente da Associação Portuguesa para as Perturbações do Desenvolvimento e Autismo (APPDA) de Coimbra anunciar a aquisição de uma residência que inicialmente vai ter capacidade para acolher cinco pessoas com autismo. O local escolhido foi Cruz de Morouços, na freguesia de Santa Clara.Estruturas habitacionais deste género são raras em Portugal. «Mas nós precisamos de saber onde vamos deixar os nossos filhos, o que será deles quando já cá não estivermos», afirmou Elsa Vieira.A presidente da APPDA de Coimbra recordou também que o tema do autismo é um problema social, que «diz respeito a todos».

Por isso a instituição lançou uma campanha de angariação de fundos e apela à solidariedade dos cidadãos de Coimbra. No final do mês está agendado um dia de actividades desportivas, que pretende concentrar um elevado número de pessoas interessadas em ajudar no projecto da residência.A responsável da APPDA de Coimbra lembrou depois que «não é fácil tornar o mundo mais integrador e fácil de coabitar para pessoas com e sem autismo», até porque «vários projectos que se têm revelado eficazes não têm continuidade por falta de dotação financeira».

No entanto, Elsa Vieira acredita que a história será diferente com o projecto da residência para pessoas com autismo, que está já numa fase avançada.

“Os políticos que respeitam as pessoas com autismo”Durante a cerimónia várias personalidades chamaram a atenção para a necessidade de se respeitar mais as pessoas com autismo. Os políticos foram mesmo alvo de críticas duras por parte de Teresa São Miguel, uma das responsáveis da unidade de Autismo do Hospital Pediátrico de Coimbra.

«Para nós é uma falta de respeito enorme os políticos quererem ofender-se mutuamente chamando autistas uns aos outros. Eu sugiro que passem a ofender-se com a palavra cefalópode ou mesmo caracol. É que eles vivem em comunidade, mas não comunicam uns com os outros», afirmou Teresa São Miguel, referindo-se também «à falta de abertura» do poder político para solucionar alguns problemas relacionados com o autismo.

Em Portugal faltam estruturas de apoio, nomeadamente na área do ensino especial. As “queixas” surgiram também da boca de pessoas que enfrentam a síndrome de desenvolvimento directamente.

«Muitas vezes as instituições de ensino, privado e públicas, não têm condições para receber jovens como eu. Não devem isolar as pessoas, para que quando elas cheguem à idade adulta possam desenvolver naturalmente a actividade profissional», afirmou José Guilherme, que estuda engenharia informática no ISEC. Numa tela foram transmitidas declarações de outro jovem. «Eu tenho autismo e por isso não sou feliz como toda a gente, porque não os entendo. Gostava de entender toda a gente para ser feliz», lamentou um rapaz de dez anos.

“Autismo também tem coisas boas”
A sessão contou com a participação da especialista Guiomar Oliveira, que recordou que o autismo «é um problema cerebral muito recente e mal entendido», que inclui «interesses repetitivos e perturbações a nível comportamental e de interacção social». Segundo estudos recentes, em Portugal uma pessoa em cada mil sofre de autismo. «Estamos a falar de uma patologia muito frequente», frisou Guiomar Oliveira.Mas a responsável do Hospital Pediátrico de Coimbra lembrou que «o autismo também tem coisas boas», referindo-se à memória visual «extraordinária» que muitas vezes é desenvolvida. Guiomar Oliveira deu o exemplo de um rapaz de oito anos que desenhou com grande detalhe um mapa asiático (incluindo países, cursos de rios e cidades), sem ter o atlas mundial à frente.O encontro contou também com elementos da autarquia e da DREC, que revelaram «disponibilidade para continuar a colaborar» com a APPDA.Para além da sessão de palestras que ocupou o período da manhã (Casa Municipal da Cultura), de tarde o Dia Mundial do Autismo foi celebrado com actividades lúdicas e desportivas no Pavilhão Desportivo da Faculdade de Ciências do Desporto e Educação Física da UC.

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