"Temos o direito de ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito de ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza". (Boaventura de Souza Santos)

segunda-feira, 22 de junho de 2009

O que fazer se o seu filho for alvo de bullying

Educação
O que fazer se o seu filho for alvo de bullying
Publicado em 22 de Junho de 2009

"Precisamos de ser mais sofisticados com o bullying", avisa o especialista Robert Sege

Um dia, na década de 1990, fiz um exame médico a um rapaz do quinto ou sexto ano de uma escola pública de Boston. Perguntei-lhe qual era a disciplina preferida dele. Era Ciências, declaradamente: tinha ganho um prémio num concurso de ciência e ia dar o passo seguinte, competindo num concurso interescolas. O problema era que algumas crianças da escola se metiam com ele todos os dias por ter ganho o concurso. Troçavam, davam-lhe empurrões e, de vez em quando, batiam-lhe. A mãe abanava a cabeça e perguntava em voz alta se a vida não seria mais fácil se o filho desistisse daquela coisa do concurso de ciência.
O bullying provoca reacções fortes e muito pessoais. Lembro-me da minha própria sensação de revolta e de empatia. Ali estava um miúdo francamente inteligente, amante da ciência, possivelmente um futuro génio, atormentado por verdadeiros brutamontes. Eis o que fiz pelo meu paciente: aconselhei a mãe a contactar o professor e a queixar-se. Encorajei o rapaz a perseguir a sua paixão.
Eis as três coisas que sei agora que deveria ter feito e não fiz: não disse à mãe que o bullying pode ser evitado e que isso é responsabilidade da escola. Não falei ao director da escola nem sugeri à mãe que o fizesse. E não perdi um instante sequer a pensar nos agressores nem como seriam as suas vidas nos próximos tempos.
Nos últimos anos, pediatras e investigadores deste país têm dado aos agressores juvenis e às suas vítimas a atenção que há muito mereciam - e que há muito têm na Europa. Ultrapassámos já a fase de pensar que "os rapazes são mesmo assim" e que o bullying é uma componente normal da infância ou o prelúdio de uma estratégia de vida bem sucedida. A investigação sobre o assunto já descreveu os riscos a longo prazo - não só para as vítimas, mais atreitas que os outros miúdos a depressões e pensamentos suicidas, mas também para os próprios autores da violência, que têm menos probabilidades de terminar os estudos ou conservar um emprego.
No mês que vem, a American Academy of Pediatrics vai publicar a nova versão das disposições oficiais sobre o papel do pediatra na prevenção da violência juvenil. Pela primeira vez vai integrar uma secção sobre bullying - incluindo a recomendação de que as escolas adoptem o modelo de prevenção criado por Dan Olweus, professor-investigador de Psicologia da Universidade de Bergen, na Noruega, o primeiro a estudar esse fenómeno na Escandinávia, durante a década de 1970. Os programas, disse Bergen, "actuam ao nível da escola, da sala de aulas e do indivíduo, combinando programas preventivos com uma actuação directa sobre crianças identificadas como agressores, vítimas, ou ambos".
Robert Sege, chefe de Pediatria Ambulatória do Centro Médico de Boston e um dos dois principais co-autores da nova versão das disposições oficiais, diz que a abordagem de Olweus foca um grupo maior de crianças, os espectadores passivos. "O génio de Olweus", diz, "está em conseguir inverter a perspectiva da escola, de maneira a que as outras crianças se apercebam que o agressor sistemático é uma pessoa com dificuldades em gerir o seu comportamento e que a vítima é alguém que podem proteger".
O outro co-autor, o médico Joseph Wright, vice-presidente sénior do Children?s National Medical Center de Washington e secretário-geral da comissão de prevenção da violência da academia pediátrica, sublinha que um quarto das crianças abordadas relatam que estiveram envolvidas em bullying, seja como agressores, seja como vítimas. Proteger crianças contra a violência intencional é uma das tarefas fulcrais dos pediatras, diz Wright, acrescentando que a "prevenção faz parte delas".
Por definição, o bullying implica reincidência: uma criança é repetidamente alvo de troças ou ataques físicos e, no caso do chamado bullying indirecto, mais vulgar entre as raparigas, de boatos e exclusão social. Para que um programa antiagressão tenha êxito, a escola tem de sondar as crianças e descobrir pormenores - onde e quando acontece.
Esses locais vulneráveis podem ser objecto de alterações estruturais - o canto do recreio escondido da vista, o vestíbulo à hora de saída das aulas. Depois, diz Robert Sege, "activar" os espectadores significa mudar a cultura da escola. Através de debates nas aulas, de reuniões de pais e de reacções coerentes aos incidentes, a escola tem de passar a mensagem que os maus-tratos não serão tolerados.
Então o que devo perguntar durante os exames médicos? Por exemplo, como vai a escola, quem são os teus amigos, o que costumas fazer no recreio? É importante abrir uma porta, especialmente a crianças dos grupos etários mais vulneráveis, de modo a que as vítimas e os espectadores passivos não tenham medo de falar.
Os pais dessas crianças têm de ser encorajados a exigir às escolas que actuem e será aconselhável que os pediatras falem com a direcção da escola. É preciso ir acompanhando as crianças para se ter a certeza que a situação melhora, vigiar a saúde emocional e procurar aconselhamento, se necessário. E que tal ajudar os agressores sistemáticos que, afinal de contas, são também pacientes pediátricos? A alguns especialistas preocupa especialmente o facto de as escolas se limitarem a expulsar os agressores sem cuidar de os ajudar - aos próprios e às famílias, que podem e devem aprender a agir de outro modo.
"As políticas de tolerância zero seguidas pelas escolas estão, no fundo, a empurrar, a adiar o problema", sublinha Sege. "Precisamos de ser mais sofisticados." A maneira como encaramos o bullying mudou e vai provavelmente mudar ainda mais nos próximos tempos - e ainda não falei de ciberbullying, por exemplo. Quem trabalha com crianças tem de saber à partida que tem consequências a longo prazo e que pode ser evitável.
Continuarei sempre a sentir a mesma raiva a propósito do meu paciente vencedor de um concurso de ciência. Mas, agora, encarava o problema dele como assunto pediátrico, esperando poder dar um pouco mais de ajuda e um pouco mais de acompanhamento, adequadamente assente em investigações científicas.
Tags: bullying, filhos, escola

http://www.ionline.pt/conteudo/9778-o-que-fazer-se-o-seu-filho-for-alvo-bullying

Este é um assunto que me preocupa bastante, sendo os nosso filhos "diferentes" acabam por ser vitimas perfeitas.

Agora digam-me, as escolas em Portugal estam a levar este fenómeno a sério?
Penso que não.

1 comentário:

Mrs_Noris disse...

Preocupa-me e muito. Por isso ando a registar na caderneta alguns episódios passados no recreio. Há que estar alerta, identificar o agressor, etc. Just in case...A escola que sabe dos casos e nada faz, poderá vir a ser responsabilizada.
Sei de algumas escolas (públicas), localizadas em zonas geográficas consideradas mais problemáticas, que já estão a envolver os alunos e a comunidade educativa em projectos/clubes anti-bullying.