"Temos o direito de ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito de ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza". (Boaventura de Souza Santos)

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

O Serviço de Pedopsiquiatria do Hospital dr. Nélio Mendonça acompanha entre 30 a 40 casos de pessoas portadoras do Síndrome de Asperger

O Serviço de pedopsiquiatria do Hospital Dr. Nélio Mendonça acompanha entre 30 a 40 casos de crianças com a síndrome de Asperger, uma perturbação neurocomportamental de base genética que pode ser encarada como uma forma subtil ou atenuada de autismo, se olharmos esta doença como comportando graus diversos de gravidade.
Paz Saldanha, pedopsiquiatra, é uma das médicas que acompanha, de perto, muitas destas crianças. Em declarações prestadas ao JORNAL da MADEIRA, a especialista refere que a realidade regional não é diferente daquela verificada anível nacional.
Contudo, adianta que a doença de Asperger é difícil de contabilizar uma vez que há muitos meninos que não são acompanhados na Madeira- ou porque os pais não se aperceberam da situação ou porque têm os seus pediatras privados ou ainda porque estão a deslocar-se ao Continente, onde são acompanhados.
«A doença não é difícil de diagnosticar», garante a pedopsiquiatra Paz Saldanha, a qual refere, contudo, como o problema tem a ver com o desenvolvimento, «há dificuldade em localizá-los porque estão integrados nas escolas ditas “normais”».

Há mais cuidado no despiste precoce

«O diagnóstico de Asperger nunca deve ser feito em idades muito precoces», considera a pedopsiquiatra Paz Saldanha, a qual considera que a idade ideal para identificar a doença é depois dos nove anos.
A médica é de opinião que existem mais casos do que aqueles que «pensávamos inicialmente».
«O que está a acontecer é que, de há uns 10 anos a esta parte, desde que o Centro de Desenvolvimento da Criança começou a funcionar, começou a haver uma atenção maior às dificuldades de relação e de linguagem nas crianças pequenas», sustenta a pedopsiquiatra.
«Antigamente, quando o médico atendia uma criança, só dava a atenção ao peso, ao tamanho, à evolução dos parâmetros físicos. Hoje em dia, há muito mais atenção a outros pormenores. Até ao nível dos centros de saúde, está a ser feito, na Madeira, um trabalho muito importante sobretudo pelos enfermeiros e médicos de família no despiste precoce destas situações», prossegue a pedopsiquiatra Paz Saldanha para explicar, deste modo, o facto de serem detectados mais casos de doentes com síndrome de Asperger do que antigamente.
«Estamos a olhar mais para as dificuldades da relação», adianta Paz Saldanha.
Daí que «os casos comecem a ser diagnosticados mais cedo», afirma ainda a pedopsiquiatra.
Questionada sobre quais os sinais desta doença ainda pouco conhecida pela população em geral, a pedopsiquiatra fala nas dificuldades a nível da relação.

Meninos isolam-se

«São meninos que estão mais isolados», explica Paz Saldanha. A médica frisa, contudo, que a situação muda conforme a idade.
«O que acontece, muitas vezes, é um atraso no início da linguagem. Ou seja, aos dois anos, os meninos ainda não estão a falar. Embora, em relação a outros tipos de autismo - a asperger é um tipo de autismo mais ligeiro- há outros sintomas», afirma.
Enquanto que há meninos que nos primeiros anos de vida têm um desenvolvimento escolar normal, os Asperger, o mais frequente é que haja um desenvolvimento mais atrasado em várias áreas «desde a nível motor e até a linguagem».
O que acontece, posteriormente, «é que os doentes de Asperger terão uma linguagem mas esta será bastante própria. Vão ter, pela vida fora, algumas dificuldades no uso da linguagem. Têm uma linguagem muito concreta».
Depois, conforme esclarece ainda, «estas crianças têm dificuldades ao nível da semântica, da construção das frases, em usar o pronome pessoal. Dificilmente, usam o “eu”. Têm dificuldades em falar de si próprios como sujeitos com emoções», diz a pedopsiquiatra.
«Fazer a leitura das emoções dos outros é uma dificuldade ainda maior» e está situação, segundo refere Paz Saldanha, «é o que vai falhar ao longo da vida».

Sexo masculino é o mais atingido

O Centro de Desenvolvimento da Criança (dirigido por Ana Marques) acompanha os doentes de Asperger até aos cinco anos, sendo que a Pedopsiquiatria do Hospital dr. Nélio Mendonça (dirigido por Maria da Paz Saldanha) faz o mesmo acompanhamento desde os zero aos 18 anos.
Os portadores da síndrome de Asperger, habitualmente,são do sexo masculino. No Serviço de Pedopsiquiatria, a situação não foge à regra. A esmagadora maioria são meninos, sendo que, nas mãos de Paz Saldanha, estão, neste momento, apenas duas meninas que podem preencher critérios de Asperger. ». No geral «fala-se de uma rapariga para quatro rapazes».
Quando adultos, muitos podem viver de forma comum, como qualquer outra pessoa que não possui a síndrome. Há indivíduos com Asperger que se tornaram professores universitários (como Vernon Smith, "Prémio Nobel" de Economia de 2002). No entanto, no Reino Unido estima-se que apenas 12 por cento terá emprego de período integral.
O termo "síndrome de Asperger" foi utilizado pela primeira vez por Lorna Wing em 1981 num jornal médico, que pretendia desta forma homenagear Hans Asperger, um psiquiatra e pediatra austríaco cujo trabalho não foi reconhecido internacionalmente até a década de 1990. A síndrome foi reconhecida pela primeira vez no Manual Diagnóstico e Estatístico de Desordens Mentais, na sua quarta edição, em 1994.

Professores e pais estão cada vez mais atentos

Os professores e os pais estão cada vez mais atentos à realidade do problema de Asperger. A opinião é da pedopsiquiatra Paz Saldanha, a qual considera que para este facto contribuem as muitas acções de formação que se têm realizado na Região.
A médica lembra que o especialista na matéria, Lobo Antunes ,costuma vir à Madeira para realizar conferências sobre Asperger.
Hoje, no dia que se assinala o Dia do Portador da Síndrome de Asperger, a Associação Portuguesa de Síndrome de Asperger calcula que existem em Portugal cerca de 30 mil pessoas com este problema.
«O seu reconhecimento é recente e a ignorância de médicos, professores e população em geral aumenta o isolamento destas crianças, impedindo o acesso aos recursos de que carecem e que lhes permitiria atingir o seu potencial, que é, não raras vezes, excepcional», diz aquela associação numa informação colocada no seu site.

Há lacuna
enorme

Para responder a esta necessidade foi constituida no dia 7 de Novembro de 2003, a APSA , congregando como fundadores pessoas relacionadas no plano familiar, social e científico, com o Sindrome, mas aberta a todos os que demonstrem interesse por esta causa.
A presidente da Associação Portuguesa de Síndrome de Asperger (APSA) afirmou ontem que «há uma lacuna enorme» no apoio às famílias destes doentes no que diz respeito ao tratamento e acompanhamento pela Segurança Social.
«Há uma lacuna enorme porque o Ministério da Educação, o Ministério da Saúde, o Ministério da Justiça e o Ministério do Trabalho deviam estar de braços dados e não estão, está cada um para seu lado», criticou Maria Piedade Monteiro, numa entrevista à Lusa a propósito do Dia Internacional do Asperger, que se assinala hoje, quinta-feira.
No que diz respeito aos tratamentos - que Maria Piedade Monteiro prefere chamar de acompanhamentos porque tratamento pressupõe uma cura - a presidente da APSA admite que é possível recorrer ao Serviço Nacional de Saúde (SNS), mas afirmou não ser «o ideal» porque «não chega a todas as crianças».
«Uma criança que tenha três ou quatro terapias não vai conseguir fazê-las todas numa semana, mesmo que haja um plano de acção», disse.
Admitindo que «hoje em dia até há hospitais a trabalharem muito bem, nomeadamente o Garcia de Orta", a responsável considerou haver «muita carência de espaços públicos onde as crianças possam ser acompanhadas com a devida cadência».

A Associação Portuguesa de Síndrome de Asperger já veio a público referir que no nosso país há uma lacuna enorme no apoio às famílias destes doentes no que diz respeito ao tratamento e acompanhamento pela Segurança Social.




Carla Ribeiro

Sem comentários: