"Temos o direito de ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito de ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza". (Boaventura de Souza Santos)

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Vacinar, ou não vacinar?

Vacinar
Muitos pediatras estão a dar grandes sermões a favor da vacinação das crianças. Mas muitos pais, que já fazem parte de uma geração que evitou as doenças infantis graves, preferem que elas obtenham a imunidade duma forma natural em vez de uma injecção de gripe. Devemos vacinar os nossos filhos contra a gripe A?

Tammy Reed, de 28 anos e mãe de uma menina, não é dada a acreditar em teorias de conspiração e não é do tipo que se assusta com a frase "pandemia de gripe". Esta residente em Menifee, estado da Califórnia (EUA), é do género de mãe que obtém boa parte da informação sobre saúde e medicina nos sites da Internet governamentais, confia numa amiga que é enfermeira, e está a criar a sua filha inteligente e determinada com toda a confiança obtida com a sua experiência de antiga babysitter e de segunda filha mais velha entre seis irmãos.

É do tipo de mãe que pensa que quando a vacina para a gripe A estiver disponível para a sua filha, afinal talvez escolha não lha administrar. "É um tipo diferente de gripe, mas continua a ser gripe, e creio que ela já desenvolveu um sistema imunitário bastante forte", afirma Tammy, referindo-se à filha loura e de olhos azuis, actualmente com 14 meses de idade. Nesta altura, os testes da vacina contra o vírus H1N1 nem sequer estão terminados, um facto que leva Tammy a considerar que poderão ainda surgir complicações imprevistas. [A agência norte-americana para o medicamento Food and Drug Administration (FDA) aprovou entretanto a vacina com base num número limitado de testes].

"Estou muito mais preocupada com os efeitos a longo prazo ou danos para toda a vida que a vacina lhe poderia causar." Por isso, e pelo menos por agora, já se habituou à perspectiva de que a sua filha, Coral, poderá passar alguns dias terríveis e obter imunidade para toda a vida face a este novo tipo de gripe.

Enquanto os Estados Unidos se preparam para uma época de contágio pandémico, postos de vacinação em todos os lados e debates sobre a reforma do sistema de saúde, uma miríade de dúvidas de pais e cidadãos como Tammy Reed representa uma forma nova e potente de ambivalência face à vacina.

Geração de cépticos

Os médicos afirmam que têm escutado jovens pais - muitos dos quais não viram ou tiveram qualquer das doenças infantis que antigamente eram muito comuns - a expressarem dúvidas sobre inocular os seus filhos contra este novo tipo de gripe.

Esta nova geração de cépticos face à vacina tem sido gerada pela crença teimosamente persistente - negada por muitos estudos - de uma ligação entre vacinas e autismo. E é ainda mais alimentada por uma explosiva mistura de desconfiança face aos fabricantes de medicamentos, órgãos de comunicação social e departamentos governamentais.

E apesar de muitos pediatras estarem a dar grandes sermões em favor da vacinação das crianças, vários médicos do Sul da Califórnia contactados pelo Los Angeles Times reconhecem que eles próprios têm dúvidas sobre recomendar para todos os seus jovens pacientes uma vacina que ainda está em fase de testes.

"Uma significativa percentagem da nossa população não a quer tomar", diz o pediatra de Los Angeles Mikael Abramyan. "Nem sequer sei se por enquanto a vou recomendar."

Até agora, nota Abramyan, que acompanhou um bom número de casos de gripe A ao longo do Verão, a doença tem-se mostrado moderada, e muitos dos pais das crianças de que ele cuida "preferem que elas obtenham a imunidade dessa forma em vez de uma injecção de gripe", conta o médico. E se bem que, segundo avança Abramyan, raramente deixe de questionar os pais sobre tal preferência, também "é uma posição razoável, e compreendo-a a nível pessoal... Percebo de onde vem tudo isso".

Os norte-americanos de 20, 30 e 40 anos têm em larga medida sido poupados às discussões que todos os anos surgem acerca da vacina contra a gripe sazonal, seja para eles ou para os seus filhos. As crianças em idade escolar e os seus pais estão na sua maioria de boa saúde. Até muito recentemente, eram dos últimos em que se pensava nos esforços de vacinação, focados em alcançar os muito idosos e os muito novos - populações consideradas de maior risco de complicações da gripe sazonal.

O novo vírus H1N1 alterou tudo isso. Os epidemiologistas descobriram que crianças, jovens adultos e mulheres grávidas que apanhem a nova gripe correm mais riscos de desenvolver complicações dos que os idosos; em resultado disto, esses três grupos estão no topo da lista daqueles que se recomenda que recebam este ano a vacina contra a gripe A. E mesmo antes de a nova estirpe ter surgido, muitos epidemiologistas já tinham adoptado a ideia de que vacinar as crianças em idade escolar - as maiores propagadoras de germes - poderia ser o melhor meio para reduzir o alcance da gripe sazonal na população em geral.

As dúvidas colectivas desta geração de pais, dizem especialistas em controlo de doenças infecciosas, poderão dificultar os esforços dos responsáveis governamentais e dos estabelecimentos médicos na tentativa de evitar que uma nova onda de contágio se espalhe. E isso tornaria também mais difícil a preparação para enfrentar outras doenças que possam mais tarde vir a surgir.

"Neste Outono, os pais serão cercados por muitos mitos, informações erradas e comunicados oficiais e correctos", diz Sandra Quinn, professora de Saúde Pública da Universidade de Pittsburgh, que recentemente terminou um inquérito a nível nacional acerca das atitudes em relação à vacina contra a gripe. De todas as mensagens que os pais de crianças pequenas estão a receber, declara Sandra, eles parecem estar a concentrar-se na palavra "incerteza" - acerca da gravidade e alcance da gripe, o estado da vacina e a necessidade de vacinação em massa.

Estes adultos também nunca foram facilmente convencidos a tomar eles próprios a vacina contra a gripe. Entre os adultos com idade dos 18 aos 49 anos com problemas de saúde crónicos - uma faixa da população que os responsáveis de Saúde governamentais instam a que se vacine contra a gripe sazonal - apenas 37 por cento se vacinaram o ano passado, fosse por injecção ou por via oral.

Susanne Stuart-Nystrom, de 37 anos, reside em Los Angeles e tem um filho, Robert, que começou a frequentar o ensino pré-escolar. E é uma das pessoas que está a ponderar acerca da decisão de vacinar a sua criança contra a nova gripe A.

Robert, que faz três anos em Outubro, é saudável, mas tem sentido algumas alergias alimentares que a princípio se pensou serem asma. É recomendado que as crianças asmáticas, bem como as que tenham diabetes, paralisia cerebral ou outros problemas de coração ou pulmões, estejam entre as primeiras a receber a vacina. Mas Susanne, que está confiante em que a situação "asmática" do seu filho já tenha sido debelada por alterações na alimentação, afirma que, provavelmente, também ela não vai vacinar o seu rebento.

"Ainda não tenho provas suficientes que mostrem que a gripe A é tão mortal e assustadora quanto dizem que é", conta Susanne, que recentemente sofreu uma infecção respiratória. Crê que os meios de comunicação social exageraram a ameaça de modo a ganhar mais espectadores e leitores. "E tudo o que seja trazido por grandes companhias, por multinacionais, põe-me de pé atrás... Não creio que elas se preocupem connosco."

Esta mãe também não confia em que a FDA consiga assegurar a segurança total da vacina. Referindo uma série de casos recentes de recolha de alimentos contaminados, opina que a relação da FDA com as indústrias que regula talvez seja demasiado próxima e impeça a agência de operar com eficácia e como um intermediário honesto.

Também partilha a opinião generalizada de que a imunidade adquirida de forma natural - quando uma criança apanha uma doença - é mais forte e mais duradoura do que a imunidade adquirida por vacinação. Tal ideia é muito discutida entre os médicos e os especialistas em doenças infecciosas, com provas a serem apresentadas por ambos os campos.

No que toca às vacinas infantis em geral, muitos pais não são automaticamente contra elas. Tammy Reed, por exemplo, imunizou a sua filha contra uma série de doenças infantis. Mas também decidiu esperar que a sua criança seja suficientemente crescida antes de apanhar o cocktail de vacinas que imuniza contra o sarampo, a parotidite [papeira] e a rubéola (VASPR).

Apesar de a VASPR já desde 2001 não incorporar na sua composição o conservante timerosal, ela continua a ser uma habitual fonte de preocupação entre os pais, dado que muitas famílias de crianças com autismo, bem como pessoas que recusam vacinações, têm ventilado que a VASPR é a causa dessa desordem de comportamento e desenvolvimento.

Algumas das fórmulas da vacina contra a gripe A poderão conter uma pequena porção de timerosal para evitar qualquer contaminação durante a fabricação e o transporte. A Academia Americana de Pediatria, num esforço para amenizar estas e outras preocupações, colocou recentemente no seu site da Internet uma exaustiva lista de estudos que não consideram perigoso o timerosal.

Mas a presença da pequena dose de conservante em algumas vacinas contra a gripe, incluindo nalgumas fórmulas da vacina contra o vírus H1N1 que poderão ser ministradas a crianças ainda este ano, poderá melindrar alguns pediatras e pais. Alguns pais procurarão composições que não incluam o conservante, mas outros simplesmente não aceitarão nenhuma.

Duas gripes

Finalmente, existe o factor do incómodo. Enquanto os pais muito ocupados ponderam sobre a perspectiva de ter que levar os seus filhos ao doutor duas vezes - uma para a injecção contra a gripe sazonal e outra para a vacina da gripe A -, alguns poderão apostar em menos vacinação do que é recomendado. Se parecer que a gripe A já terá chegado ao fim antes de a respectiva vacina estar disponível, muitos pais poderão decidir que os seus filhos podem escapar a ambas as vacinas.

"A despreocupação é um grande desafio", declarou recentemente a directora do Centro Nacional para a Imunização e Doenças Respiratórias dos EUA, dra. Anne Schuchat. Os responsáveis governamentais "estão a tentar encontrar um equilíbrio entre a despreocupação e o alarmismo", acrescentou, enquanto preparam o que muitos acreditam vir a ser uma vacinação em massa de uma escala sem precedentes.

Para Tammy Reed e Susanne Stuart-Nystrom, o problema não está na despreocupação nem no alarmismo. O problema está num estonteante debate em que opiniões passam por dados científicos e os motivos de fontes em que há muito se confiava - médicos, cientistas e responsáveis de Saúde governamentais - têm sido postos em causa.

"Há tanta informação por aí", diz Susanne. "O que assusta é que não sabemos o que está certo e o que está errado."


Exclusivo PÚBLICO/Los Angeles Times

http://jornal.publico.clix.pt/noticia/23-09-2009/vacinar-17832107.htm

Sem comentários: